sexta-feira, 17 de maio de 2013

Autoinquirição


Visitante: Como realizar o Eu?

Sri Ramana: Eu de quem? Descubra.

Visitante: Meu! Mas quem sou eu?

Sri Ramana: É você que deve descobrir.

Visitante: Eu não sei.

Sri Ramana: Quem diz “eu não sei?” Quem é o “eu” na sua afirmação? O que não é sabido?

V.: Algo ou alguém em mim.

S.: Quem é esse alguém? Em quem?

V.: Talvez algum poder…

S.: Descubra!

V.: Por que eu nasci?

S.: Quem nasceu? A resposta é a mesma para todas as perguntas.

V.: Então, quem sou eu?

S.: (Rindo) Você veio aqui para me interrogar? Você deve descobrir quem você é.

V.: Por mais que eu tente não pareço conseguir agarrar o “eu”. O “eu” nem mesmo é perceptível claramente.

S.: Quem é que diz que o “eu” não é perceptível? Por acaso existem dois “eus” em você, para que um não seja perceptível ao outro?

V.: Ao invés de investigar “Quem sou eu”, posso perguntar-me “Quem é você?”, para que assim minha mente permaneça fixa em você, que eu considero Deus sob a forma de Guru? Talvez eu fique mais perto do objetivo da minha busca se fizer esta pergunta em vez de me perguntar “Quem sou eu?”.

S.: Qualquer que seja a forma que sua investigação tome, no final você deve retornar ao Eu único, ao Ser. Todas essas distinções feitas entre “você” e “eu”, “mestre” e “discípulo”, são apenas sinais de ignorância. Apenas o Eu supremo é – pensar diferentemente é iludir-se.

Portanto, como o seu objetivo é transcender aqui e agora essas superficialidades através da autoinquirição, onde haverá espaço para fazer distinções entre “você” e “eu”, sendo que estas pertencem apenas ao corpo? Quando você volta sua mente para o interior, buscando a fonte do pensamento, onde está o “você” e onde está o “eu”? Você deve buscar e ser o Eu que inclui todas as coisas.

V.: Mas não é engraçado que o “eu” deva buscar o “eu” [isto é, a si mesmo]? A investigação “Quem sou eu?” não acaba sendo uma fórmula vazia? Ou devo ficar repetindo a pergunta a mim mesmo interminavelmente, como um mantra?

S.: Certamente a autoinquirição não é uma fórmula vazia; e ela é mais do que a mera repetição demantras. Se a autoinquirição “Quem sou eu?” fosse um mero processo mental, então ela não teria muito valor. O propósito da autoinquirição é focar toda a mente na sua fonte. Não é, portanto, o caso de um “eu” buscando outro “eu”. Muito menos é ela uma fórmula vazia, já que envolve uma intensa atividade de toda a mente para manter-se estabelecida em pura Auto-Consciência. A autoinquirição é o método infalível, o único método direto de realizar a Ser absoluto e incondicionado que você em realidade é.

V.: Como não realizei a verdade de que apenas o Ser existe, eu não deveria adotar os caminhos da devoção [bhakti] ou da união [yoga] por serem mais adequados como prática espiritual [sadhana] do que o caminho da inquirição [vichara marga]? A realização de nosso Ser Absoluto, ou Brahma Jnana, não é algo inatingível para um leigo como eu?

S.: Brahma Jnana não é um conhecimento a ser adquirido para que com essa aquisição se obtenha a felicidade. É a perspectiva ignorante que se deve abandonar. Em verdade, o Ser que você busca conhecer é você mesmo. Sua suposta ignorância lhe causa sofrimento desnecessário como aquele dos dez homens tolos que lamentavam a “perda” do décimo homem que nunca esteve perdido.

Na parábola, os dez tolos atravessaram um riacho e ao alcançarem a margem resolveram certificar-se de que todos tinham feito a travessia com segurança. Um dos dez começou a contar, mas não contou a si mesmo. “Eu vejo só nove; certamente perdemos alguém. Quem pode ser?” ele disse. “Você contou certo?” perguntou outro, e fez a contagem também, mas só contou nove. Cada um deles contou só nove, pois não contaram a si mesmos. “Somos apenas nove” todos concordaram, “mas quem é o desaparecido?” se perguntavam. Todas as tentativas de descobrir o indivíduo desaparecido falharam. “Seja quem for que se afogou”, disse o mais sentimental dos dez tolos, “o perdemos”, e caiu em prantos junto com todos os outros.

Ao ver a cena na margem do rio, um viajante que passava pelo local perguntou o que tinha acontecido, e os tolos relataram o ocorrido e disseram que mesmo depois de contar várias vezes só tinham encontrado nove homens. Ao ouvir a história, e percebendo todos os dez diante dele, o viajante adivinhou o que tinha acontecido. Para fazê-los compreender por eles mesmos que eles eram realmente dez, e que todos tinham feito a travessia e estavam salvos, ele lhes disse: “Cada um de vocês conte a si mesmo, mas um após o outro, em sequência, um, dois, três e assim por diante, e em cada um vou dar um tapa para vocês terem certeza de que estão incluídos na contagem, e só uma vez.” Os homens ficaram animados com a perspectiva de encontrarem seu companheiro perdido, e aceitaram a proposta do viajante. Cada vez que o bondoso viajante dava um tapa em um dos tolos, este contava a si mesmo em voz alta. O último que levou o golpe disse “dez”. Perplexos, os homens olharam uns para os outros, “Somos dez” disseram em uníssono e agradeceram o andarilho por ter removido seu sofrimento.

Essa é a parábola. De onde surgiu o décimo homem? Ele esteve perdido em algum momento? Ao perceberem que ele estava ali o tempo todo, eles aprenderam alguma coisa nova? A causa do sofrimento dos dez tolos não foi a perda real de algum deles, foi a sua própria ignorância, mais precisamente sua suposição de que um deles estava perdido (embora não pudessem saber quem era), porque eles tinham contado apenas nove.

Da mesma forma acontece com você. Na verdade não há motivo para você se sentir miserável ou infeliz. Você mesmo impõe limitações em sua verdadeira natureza de Ser Infinito, e então chora porque você é uma criatura finita. E aí você se engaja nesta ou naquela sadhana para transcender as limitações não existentes. Mas se sua própria sadhana assume a existência das limitações, como ela pode lhe ajudar a transcendê-las?

Por isso eu digo, saiba que você é realmente o Ser Infinito e Puro, o Ser Absoluto. Você é o Ser sempre e nada além do Ser. Portanto, você não pode realmente ser ignorante do Ser; sua ignorância é meramente uma ignorância formal, como a ignorância dos dez tolos sobre o décimo homem “perdido”. Essa foi a ignorância que lhes causou sofrimento.

Saiba que esse conhecimento verdadeiro não cria um novo Ser para você, ele só remove sua “ignorância ignorante”. A Bem-Aventurança não é acrescentada à sua natureza, ele é simplesmente revelada como seu estado natural e verdadeiro, eterno e imperecível. A única maneira de se livrar do sofrimento é conhecer e ser o Ser. Como isso pode ser inatingível?

Trecho do livro: Os Ensinamentos de Ramana Maharshi em Suas Próprias Palavras
Retirado do site: www.advaita.com.br

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