domingo, 25 de agosto de 2013

O Mistério da Identidade

Perguntas-me quem sou! Como poderei dar-te uma resposta que seja honesta e verdadeira? Uma resposta que não te induza em ilusão? Que corresponda adequadamente àquilo que sou? Quando me fazes uma pergunta, esperas uma resposta. E a minha resposta será uma asserção verbal. Esperas uma definição daquilo que sou. Mas o que é uma definição? Toda a definição fragmenta e separa. Procura limitar e circunscrever. Quando defino um objecto, uma coisa, seja o que for, faço-o para o distinguir de outras coisas e objectos. Quando defino, digo não apenas o que a coisa é, mas também o que ela não é. Retiro-a de qualquer confusão com outras coisas quaisqueres. Toda a forma de eu me definir, será uma forma de me limitar. E sempre que eu me limitar, estarei a cometer um erro. Ao dizer que sou algo, estou a dizer também que não posso ser outra coisa qualquer. A definição exclui, deixa ficar de fora muito mais do que aquilo que abarca dentro. Por isso a definição é uma injustiça e uma fraude que cometes contigo mesmo. Porque é permanente a capacidade de te reinventares a ti próprio. Jamais poderás reter dentro de um aposento o sol que entra pela soleira da porta.

A pergunta: "o que sou?", não tem uma resposta verbal. Apenas o silêncio pode captar a tua essência. Apenas do silêncio te pode vir a resposta. E essa resposta é sentida com todo o teu ser e não apenas com o intelecto. O intelecto apenas se alimenta de palavras e de sombras. Aquilo que tu és inclui, ultrapassa e transcende qualquer resposta que o intelecto possa elaborar. Procurar que seja o intelecto a produzir a resposta é como querer pegar em ti mesmo ao colo ou querer introduzir a casa através da janela. Mesmo que achasses a definição perfeita e as palavras corretas, isso não passaria ainda de uma seta que aponta para algo que ela não contem e nela não podes encontrar. Não podes sentir a frescura da água mergulhando simplesmente no mapa de um rio. Não podes sentir o calor do fogo se a lareira de que te aproximas não passa de uma pintura numa tela. Podes fazer uma ilustração representando o sol, mas se a pendurares na parede ela não iluminará a sala. Aquilo que tu és deve permanecer um mistério não classificável! Um "Nada" que é um potencial infinito de possibilidades e metamorfoses sempre imprevisível!

Do amigo Pedro Fonseca

www.jardimdepicuro.blogspot.com

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Não se pode compreender o eterno com uma mente produto do tempo

Pergunta: Pode o passado dissolver-se repentinamente, ou é necessário, invariavelmente, um certo tempo?

Krishnamurti: Nós somos o resultado do passado. Nosso pensamento se baseia no dia de ontem e em muitos milhares de dias passados. Somos o resultado do tempo, e todas as nossas reações, todas as nossas atitudes no presente, representam o efeito cumulativo de muitos milhares de momentos, incidentes e experiências. Por consequência, para a maioria de nós, o passado é o presente, e isso se faz um fato inegável. Vocês — seus pensamentos, suas ações, suas reações — são o resultado do passado. Ora bem, o interrogante deseja saber se o passado pode ser apagado imediatamente, isto é, não dentro de certo tempo, porém imediatamente; ou esse passado cumulativo exige algum tempo, até que a mente esteja livre do presente? É importante que se compreenda a pergunta. Isto é, já que cada um de nós é resultado do passado, com um fundo de inumeráveis influências, a variarem e a se modificarem constantemente, é possível apagar-se esse fundo sem se passar pelo processo do tempo? Está claro isso? A pergunta está clara, sem dúvida. 

Pois bem: o que é o passado? O que entendemos por passado? Não nos referimos, naturalmente, ao passado cronológico, ao segundo que precedeu, não nos referimos a isso, que é coisa definidamente acabada. Referimos-nos, é claro, é claro, àsexperiências acumuladas, às reações, lembranças, tradições e conhecimentos acumulados, ao nosso depósito subconsciente de inumeráveis pensamentos, sentimentos, influências e reações. Com uma tal bagagem não é possível compreender a realidade, porquanto, necessariamente, a realidade não pertence ao tempo: ela é eterna. Por isso, não se pode compreender o eterno com uma mente que é produto do tempo. O interrogante deseja saber se é possível libertar-se a mente, ou se é possível que a mente, que é resultado do tempo, deixe de existir de súbito; ou se é necessário que se proceda a uma longa série de exames e análises para, desse modo, libertar-se a mente de suas acumulações. Vocês percebem a dificuldade da questão.

Ora, a mente é o nosso cabedal de ideias e experiências; a mente é resultado do tempo; a mente é o passado, a mente não é o futuro. Ela pode projetar-se no futuro; e a mente serve-se do presente como uma passagem para futuro; por conseguinte, o que quer que faça, seja qual for a sua atividade — sua atividade futura, sua atividade presente, sua atividade passada — ela está sempre presa na rede do tempo. É possível que a mente deixe de existir de todo, isto é, que o processo do pensamento termine? Ora, é bem claro que há muitas camadas a constituírem a mente; o que chamamos consciência tem muitas camadas, cada uma delas relacionada com a outra, cada uma dependente da outra e atuando reciprocamente uma sobre a outra; e o total de nossa consciência não é apenas o processo de experimentar, mas também o de dar nome, designar, e, ainda, armazenar na memória. Tal é o processo completo da consciência, não é? Ou acham tudo isso difícil demais? 

Quando falamos de consciência, não nos referimos ao processo de experimentar, de dar nome ou designação à experiência e guardá-la, dessa maneira na memória? Tudo isso, certamente, em níveis diferentes, constitui a nossa consciência. E pode a mente, que é resultado do tempo, mediante um processo de análise, chegar, passo a passo, a libertar-se da experiência acumulada? Ou é possível ficar-se inteiramente livre do tempo e contemplar-se diretamente a realidade? Vejamos. Isso lhes interessa? Esta questão, é realmente importante, pois é possível, como logo explicarei, ficarmos livres da experiência acumulada e, assim, renovarmos imediatamente a nossa vida, sem dependermos do tempo, recriar-nos de pronto, independentemente do tempo. Se isso lhes interessa, prosseguirei e verão.

Para ficarmos livres da experiência acumulada, dizem muitos analistas que devemos examinar cada reação, cada complexo, cada empecilho, cada obstáculo, o que necessariamente implica um processo de tempo; e significa, também, que o analista tem de compreender o que está analisando; e que não deve interpretar erroneamente aquilo que está analisando. Porque, se o interpretar falsamente, tal interpretação o levará a conclusões errôneas, com o que se constituirá um novo acervo mental. Percebem? Por consequência, o analista precisa ser capaz de analisar os seus pensamentos, sem o mais leve desvio; e não deve errar só um passo, na sua análise, porquanto, qualquer passo em falso, qualquer conclusão errônea, significa a formação de um novo fundo mental de desordem diferente e em nível diferente. E surge, também, o seguinte problema: Será o analista diferente da coisa analisada? Não representam o analista e a coisa analisada um fenômeno em conjunto? Senhor, não sei se isso lhe interessa, mas, em todo caso, continuarei. 

Indubitavelmente, o indivíduo que experimenta e a sua experiência constituem um fenômeno em conjunto, não são dois processos separados. Vejamos, pois, em primeiro lugar, a dificuldade de analisar. É quase impossível analisar tudo o que se contém em nossa consciência e ficar-se livre, por um tal processo. Porque, afinal de contas, quem é o analista? O analista não é diferente, embora o pense, da coisa analisada. Pode separar-se da coisa analisada, mas sempre faz parte dela. Tenho um pensamento, tenho um sentimento, sinto, por exemplo, cólera. A pessoa que analisa a cólera faz parte, ainda, da cólera; por conseguinte, o analista e a coisa analisada constituem um fenômeno conjunto, e não duas forças ou processos separados. Assim, pois, a dificuldade de nos analisarmos, de nos descerrarmos, de olharmos a nós mesmos, página por página, observando cada reação, cada resposta, é incalculável e exige muito tempo. Não concordam? Portanto, essa não é a maneira indicada para nos libertarmos do complexo de nossos sentimentos. Não é assim? Deve, portanto, haver uma maneira de proceder mais simples e direta; é o que vamos verificar. Mas, para verificarmos, precisamos abrir mão de tudo o que é falso. A análise, pois, não é o processo correto e devemos abandoná-la. Assim como não tomariam um caminho que não leva a parte alguma, assim também cumpre evitarem o processo da análise, que não lhes levará a parte alguma; ele está, por conseguinte, fora do sistema de vocês. 

Que lhes resta, então? Vocês estão habituados somente à análise, não é verdade? O observador que observa — sendo o observador e a coisa observada um fenômeno conjunto — o observador que observa e procura analisar a coisa observada, não conseguirá libertar-se do seu acervo mental. Se assim é — e de fato é — devem abandonar tal processo, não? Não sei se estão compreendendo tudo isso. Ao perceberem que tal método é falso, ao compreenderem, não apenas verbalmente, porém, realmente, que é falso esse processo, o que acontece, então, à análise de vocês? Desistem de analisar, não é verdade? E o que lhe resta então? Atente, senhor, para o que estou dizendo, segui-o, se lhe agrada, e verá com que rapidez um indivíduo pode libertar-se do seu acervo mental. Mas, se a análise não é o método correto, o que lhes resta ainda? Qual é o estado da mente habituada a analisar, pesquisar, perscrutar, dissecar, tirar conclusões, etc.? Se esse processo se detém, qual é o estado da mente de vocês? 

Vocês dizem que a mente fica vazia. Pois bem: continuem a penetrar nessa mente vazia. Por outras palavras, ao deitarem fora, como falso, o que é conhecido, o que acontece com a mente? Afinal de contas, o que foi que deitaram fora? Deitaram fora o falso processo resultante do acervo de ideias e experiências de vocês. Não é assim? De um só golpe, por assim dizer, lançaram fora tudo isso. Por conseguinte, a mente de vocês, depois de rejeitarem o processo analítico e tudo o que ele implica, e de o reconhecerem como falso, fica liberto do "ontem", sendo assim, capaz de observar diretamente, sem passar pelo processo do tempo, com o que se desfaz, imediatamente, do seu acervo de ideias e experiencias.

Senhor, formulemos diferentemente a questão: o pensamento é resultado do tempo, não é verdade? O pensamento é resultado do ambiente, de influências sociais e religiosas, e tudo isso faz parte do tempo. Pois bem: pode o pensamento ficar livre do tempo? Isto é, o pensamento, que é resultado do tempo, pode parar e ficar livre do processo do tempo? O pensamento pode ser controlado, modelado; mas o controle do pensamento está ainda compreendido nos domínios do tempo, e, por isso, a nossa dificuldade é a seguinte: Como pode uma mente, que é resultado do tempo, de milhares de dias passados, livre, instantaneamente, desse complexo acervo de influências? E a verdade é que vocês podem se libertar de tal acervo, não amanhã, porém, no presente, no agora. Isso só é possível ao perceberem aquilo que é falso; e o falso é, obviamente, o processo analítico, e este é a única coisa que temos. Cessando de todo o processo analítico, não mediante compulsão, porém pela compreensão da inevitável falsidade desse processo, verão então que a mente de vocês ficará completamente dissociada do passado — o que não significa que deixarão de reconhecer o passado, porém, que a mente de vocês não terá mais comunhão direta com o passado. Pode, portanto, a mente libertar-se, imediatamente, do passado, e essa dissociação do passado, essa completa libertação do ontem — psicologicamente e não cronologicamente — é possível, e essa é a única maneira de se compreender a realidade. 

Agora, expressando-o de maneira muito simples; quando desejam compreender uma coisa, qual é o estado da mente de vocês? Quando desejam compreender seu filho, quando desejam compreender alguém, ou alguma coisa, qual é o estado da mente de vocês? Não ficam analisando, criticando, julgando o que o outro está dizendo, ficam apenas escutando, não é verdade? A mente de vocês se acha num estado em que o processo do pensamento está inativo, porém muito atento. É exato isso? E essa atenção não se relaciona com o tempo. O que estão é, simplesmente, alertados, passivamente receptivos, mas ao mesmo tempo plenamente atentos; e é só nesse estado que há compreensão. Naturalmente, quando a mente está agitada, interrogando, afligindo-se, dissecando, analisando, não há compreensão. E quando há o desejo ardente de compreender, a mente está evidentemente tranquila. Isto naturalmente vocês terão que experimentar, e não devem aceitá-lo somente porque estou dizendo. Mas é fácil verificar que quanto mais analisam, tanto menos compreendem. Podem compreender certos fatos, certas experiências; mas não é possível esvaziar a consciência de todo o seu conteúdo, por meio do processo analítico. Só é possível isso ao perceberem a falsidade do método analítico. Ao reconhecerem o falso como falso, começarão a ver o que é verdadeiro; e a verdade é que os libertará das influências do passado. Para receber essa verdade, deve a mente desistir de ser analítica, não deve ficar presa ao processo do pensamento, que, evidentemente, é análise, o que nos conduz a outra questão inteiramente diferente, ou seja: O que é meditação correta? — da qual trataremos noutra ocasião. 

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz? 
23 de janeiro de 1949

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Bem Aventurados os Pobres de Espírito

"Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;" Mateus V:3

Houve um tempo, há algum tempo, em que, fazendo coro com o que me parecia inteligente, com o que me parecia "normal", eu gostava muito de gente interessante. Nada parecia mais bacana do que conhecer uma pessoa interessante, rica em conhecimento, "com conteúdo" ou, como também se costuma dizer, "pessoas com algo a acrescentar".


Mas, com alguma atenção, foi fácil perceber que as pessoas com muito conteúdo, com elaborados pontos de vista e "muito a acrescentar", no fundo, são as mais pobres. E o são por uma razão muito simples: quanto mais elas têm tais conteúdos, mais elas se confundem com eles e menos elas são elas mesmas.

Hoje, eu aprecio muito mais as pessoas simples, quase e praticamente vazias!! Aquelas que não querem muito, não esperam muito e não almejam muito. Aquelas que têm pouca ou quase nenhuma opinião sobre nada. As que não estão envolvidas em nenhum tipo de ativismo, principalmente os ativismos pessoais. Elas se percebem e percebem a vida de maneira muito mais pura, muito mais clara. Elas enxergam tudo SEM o filtro dos seus conteúdos, dos seus significados e das suas idéias. Elas enxergam o que É!!