quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A vida, sendo, impessoal

Você pergunta: “Por que me envolvo ainda nas pernósticas arapucas propostas pelo ego?” E a resposta é muito simples. Primeiro encontre quem é esse “eu” que se envolve nas arapucas e logo saberá a razão das arapucas do ego serem tão apetecíveis.

Veja: é tenebroso para esse tal de “ego” frequentar ou até mesmo conhecer um estado não problemático de ser, um estado sem perguntas, um estado sem respostas, um estado silencioso de ser, um estado de "ser ninguém" de ser.

Sua atenção foi condicionada a ter como centro este pequeno ponto a quem coisas acontecem, desacontecem, deveriam acontecer ou não deveriam estar acontecendo. Nunca está em pauta o esquecimento. Não faz parte da nossa cultura, de nenhuma maneira, desfocar do pequeno-eu.

Se você se torna um pouco cruel com o seu ego, se você não o oferece a um ambiente de confiança, ele desaparece, ele perde a sua aparente consistência. Só existem, necessariamente, duas alternativas: ou você se submete ao conto da mente, em relação a este objeto chamado ego no tempo, ou você dirige a sua inteligência para dentro do agora, do silêncio.

Mas eu ouço a sua mente retrucar: “Eu não posso viver assim”. Sim, ela não pode viver assim. Porque se você entrar no silêncio do agora, se você aceita o convite do silêncio como realidade, a mente vai se mudando, pouco a pouco, para o seu ambiente funcional. Este é o ambiente da dissolução do ego. E nesse ambiente há um viver sem sujeito – no sentido mais objetivo da palavra. Agora, apenas há a vida, sendo, impessoal.

Extraído do blog: www.satyaprem.blogspot.com.br

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Ele Veio Zombar

"Quando se participa dos diálogos entre Maharaj e seus visitantes por algum tempo, fica-se surpreso com a diversidade de perguntas que são feitas – muitas delas terrivelmente ingênuas – e com a espontaneidade e facilidade com as quais as respostas vêm do Mestre. Perguntas e respostas são traduzidas tão acuradamente quanto possível. As respostas de Maharaj em Marathi, que é a única língua que domina, seriam naturalmente baseadas nas palavras do Marathi usadas na tradução da pergunta. Em suas respostas, contudo, Maharaj faz um uso muito hábil das palavras do Marathi empregadas na tradução da pergunta, ou por meio de trocadilhos, ou leves mudanças nas próprias palavras, produzindo interpretações algumas vezes totalmente diferentes de seus significados usuais. A exata significação de tais palavras nunca poderia ser obtida em qualquer tradução. Maharaj francamente admite que, geralmente, faz uso claro e direto do Marathi com o fim de tornar manifestos o nível mental do interlocutor, sua intenção, e o condicionamento por trás da pergunta. Se o interlocutor toma a sessão como um entretenimento, embora de um tipo superior, Maharaj está pronto para juntar-se à diversão, na ausência de melhor assunto e melhor companhia!
Entre os visitantes, há ocasionalmente um tipo pouco comum de pessoa que tem um intelecto muito penetrante, mas é dotado de um ceticismo devastador. Ele presume que tem uma mente aberta e uma curiosidade intelectual penetrante. Ele quer ser convencido e não meramente enganado por palavras vagas e incertas que os mestres religiosos freqüentemente distribuem em seus discursos. Maharaj, com certeza, rapidamente reconhece este tipo e, então, a conversa imediatamente assume um tom de mordacidade que o deixa abalado. A percepção intuitiva subjacente às palavras de Maharaj simplesmente varre a crítica metafísica proposta por semelhante intelectual. É de maravilhar-se ver como um homem, o qual não tem nem mesmo o benefício de uma educação adequada, possa mostrar mais talento que vários eruditos pedantes e cépticos agnósticos que se acreditam invulneráveis. As palavras de Maharaj são sempre eletrizantes e brilhantes. Ele nunca cita autoridades das escrituras em Sânscrito ou em qualquer outra língua. Se um dos visitantes citasse um verso do Gita, Maharaj tinha que pedir sua tradução para o Marathi. Sua intuição perceptiva não precisa do apoio das palavras de qualquer outra autoridade. Seus próprios recursos internos são, sem dúvida, ilimitados. O que quer que eu diga, disse Maharaj, sustenta-se por si mesmo, não necessitando nenhum outro apoio.


Um dos visitantes habituais às sessões trouxe com ele um amigo e o apresentou a Maharaj como um homem com um intelecto muito aguçado que não aceitaria nada como verdade absoluta e que questionaria tudo antes de aceitar. Maharaj disse que estava feliz por encontrar tal pessoa. O novo visitante era um professor de Matemática.


Maharaj sugeriu que seria talvez melhor para ambos conversar sem hipóteses de qualquer tipo, diretamente do nível básico. Ele gostaria disto? O visitante deve ter ficado muito surpreendido com esta oferta. Ele disse que estava encantado com a sugestão.

Maharaj: Agora, diga-me, você está sentado diante de mim aqui e agora. O que exatamente pensa que ‘você’ é?

Visitante: Sou um ser humano do sexo masculino, quarenta e nove anos, com certas medidas físicas e certas esperanças e aspirações.

M: Qual sua imagem de si mesmo dez anos atrás? A mesma de agora? E quando você tinha dez anos de idade? E quando você era uma criança? E mesmo antes disto? Sua imagem de si mesmo não mudou o tempo todo?

V: Sim, o que considero como minha identidade mudou todo o tempo.

M: E, no entanto, não há alguma coisa, quando pensa sobre si mesmo – no fundo do coração –, que não mudou?

V: Sim, há, embora eu não possa especificar o que é exatamente.

M: Não seria o simples sentido de ser, o sentido de existir, o sentido de presença? Se você não estivesse consciente, seu corpo existiria para você? Haveria qualquer mundo para você? Teria, então, qualquer pergunta sobre Deus ou o Criador?

V: Isto, certamente, é algo a ponderar. Mas, diga-me, por favor, como você vê a si mesmo?

M: Eu sou este eu sou ou, se preferir, eu sou esse eu sou.

V: Desculpe-me, mas eu não entendi.

M: Quando você diz “eu penso que entendi”, está tudo errado. Quando você diz “eu não entendi”, isto é absolutamente verdadeiro. Deixe-me simplificar: eu sou a presença consciente – não esta pessoa ou aquela, mas Presença Consciente, como tal.

V: Agora, novamente, estou para dizer que penso que entendi! Mas você disse que isto é errado. Você não está tentando confundir-me deliberadamente, está?

M: Ao contrário, estou dizendo para você qual é a posição exata. Objetivamente, eu sou tudo que aparece no espelho da consciência. Absolutamente, eu sou aquilo. Eu sou a consciência na qual o mundo aparece.

V: Infelizmente, não vejo isto. Tudo o que posso ver é o que aparece diante de mim.

M: Você seria capaz de ver o que aparece diante de você se não estivesse consciente? Não. Não é toda existência, portanto, puramente objetiva na medida em que você existe apenas em minha consciência e eu na sua? Não é claro que nossa experiência um do outro está limitada a um ato de cognição na consciência? Em outras palavras, o que nós chamamos nossa existência está meramente na mente de algum outro e, portanto, é apenas conceitual? Pondere sobre isto também.

V: Você está tentando me dizer que todos nós somos meros fenômenos na consciência, fantasmas no mundo? E o que diríamos sobre o próprio mundo? E sobre todos os eventos que acontecem?

M: Pondere sobre o que eu disse. Você pode descobrir alguma falha? O corpo físico, o qual geralmente alguém identifica como a si mesmo, é apenas uma estrutura física para o Prana (a força vital) e para a consciência. Sem o Prana e a consciência, o que seria o corpo físico? Apenas um cadáver! É apenas porque a consciência identificou-se erradamente como sua cobertura física – o aparato psicossomático – que o indivíduo aparece.

V: Agora, você e eu somos indivíduos separados que têm de viver e trabalhar neste mundo junto com milhões de outros, certamente. Como você me vê?

M: Vejo você neste mundo exatamente como você vê a si mesmo em seu sonho. Isto satisfaz você? Em um sonho, enquanto seu corpo está descansando em sua cama, você criou todo um mundo – paralelo ao que você chama mundo “real” – no qual existem pessoas, incluindo você mesmo. Como você se vê no seu sonho? No estado de vigília, o mundo emerge e você é levado para o que eu chamaria um estado de sonho acordado. Enquanto você está sonhando, seu mundo de sonho aparece para você como muito real, sem dúvida, não é assim? Como você sabe que este mundo que você chama ‘real’ não é também um sonho? É um sonho do qual você deve se acordar pela visão do falso como falso, do irreal como irreal, do transitório como transitório; ele pode ‘existir’ apenas no espaço e no tempo conceituais. E, então, depois de tal ‘despertar’, você estará na Realidade. Então você verá o mundo como ‘vivente’, como um sonho fenomênico dentro da periferia da percepção sensorial no espaço e tempo, com um aparente livre-arbítrio.
Agora, a respeito do que você chama um indivíduo: Por que você não examina analiticamente este fenômeno com a mente aberta, depois de abandonar todo condicionamento mental existente e todas as idéias preconcebidas? Se você fizer assim, o que você encontrará? O corpo é meramente uma estrutura física para a força vital (Prana) e para a consciência, o qual constitui um tipo de aparato psicossomático; e este ‘individuo’ nada faz a não ser responder ao estimulo externo e produzir imagens e interpretações ilusórias. E, além disto, este ser sensível individual pode ‘existir’ apenas como um objeto na consciência que o reconhece! É apenas uma alucinação.

V: Você quer dizer com isto que você não vê diferença entre um sonho sonhado por mim e minha vida neste mundo?

M: Você já tem bastante para cogitar e meditar. Está certo que deseja prosseguir?

V: Estou acostumado a grandes doses de estudo sério e não tenho dúvidas que você também. De fato, seria mais gratificante para mim se pudéssemos prosseguir e levar isto à sua conclusão lógica.

M: Muito bem. Quando você está em sono profundo, o mundo fenomênico existe para você? Você não poderia, intuitiva e naturalmente, visualizar seu estado primitivo – seu ser original – antes que esta condição corpo-consciência irrompesse sobre você sem ser solicitada, por si mesma? Neste estado, você estaria consciente de sua “existência”? Não, certamente.


A manifestação universal está apenas na consciência, mas o ‘desperto’ tem seu centro de visão no Absoluto. No estado original de puro ser, não consciente de sua qualidade de ser, a consciência surge como uma onda sobre a extensão das águas, e o mundo aparece e desaparece na consciência. As ondas se levantam e caem, mas a expansão das águas permanece. Antes de todos os princípios, de todos os fins, eu sou. O que quer que aconteça, devo estar presente para testemunhar.


Não é que o mundo não ‘exista’. Ele existe, mas meramente como uma aparência na consciência – a totalidade do manifesto conhecido na infinidade do desconhecido, o não manifestado. O que começa deve terminar. O que aparece deve desaparecer. A duração da aparição é um assunto relativo, mas o princípio é que o que quer que seja sujeito ao tempo e à duração deve terminar e é, portanto, não real.


Você não pode perceber imediatamente que neste sonho da vida você ainda está dormindo, que tudo que seja reconhecível está contido nesta fantasia da vida? E que aquele que, enquanto conhecer este mundo objetificado, considerar-se uma ‘entidade’ separada da totalidade que conhece é, em realidade, parte integral deste mesmo mundo hipotético?


Considere também: Nós parecemos estar convencidos de que vivemos uma vida própria, de acordo com nossos próprios desejos, esperanças e ambições, de acordo com nosso próprio plano e objetivo, através de nossos próprios esforços individuais. Mas é realmente assim? Ou estamos sendo sonhados e vividos sem vontade, totalmente como fantoches, exatamente como em um sonho pessoal? Pense! Nunca esqueça que, assim como o mundo existe, embora como uma aparência, as figuras sonhadas também, neste ou naquele sonho, devem ter um conteúdo – elas são o que o sujeito do sonho é. É por isto que digo: Relativamente‘Eu’não sou, mas eu mesmo sou o universo manifesto.

V: Penso que começo a entender toda a idéia.

M: Não é o pensamento de si mesmo uma noção na mente? O pensamento está ausente quando se vê as coisas intuitivamente. Quando você pensar que entendeu, você não entendeu. Quando perceber diretamente, não há nenhum pensamento. Você sabe que está vivo; você não ‘pensa’ que você está vivo.

V: Céus! Isto parece ser uma nova dimensão que você está apresentando.

M: Bem, nada sei sobre uma nova dimensão, mas você se expressou bem. De fato, poderia ser dito que tal dimensão adquire uma nova direção de medida – um centro novo de visão – na medida em que, evitando os pensamentos e percebendo diretamente as coisas, evita-se a concepção. Em outras palavras, vendo com a mente total, intuitivamente, o observador aparente desaparece, e a visão torna-se o visto.

O visitante então se levantou e prestou seus respeitos a Maharaj com muito maior devoção e submissão do que a que havia mostrado na chegada. Ele olhou para dentro dos olhos de Maharaj e sorriu. Quando Maharaj perguntou por que sorria, disse que havia lembrado de um provérbio em Inglês: “Eles vieram para zombar e permaneceram para orar.”

De: "Sinais do Absoluto" - Diálogos resolutivos com Sri Nisargadatta Maharaj


Conteúdo retirado do blog: www.editoraadvaita.blogspot.com.br

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Buscador é o Buscado

"Um casal europeu visitou Maharaj por uma semana. Marido e esposa estiveram interessados na metafísica vedântica por muitos anos e tinham estudado profundamente o assunto. Havia neles, contudo, um toque de cansaço, quase de frustração, em seus pontos de vista e comportamento geral, o qual mostrava claramente o que foi posteriormente confirmado. Eles não tinham nenhuma compreensão clara da verdade a despeito da assídua busca por um longo período de tempo durante o qual tinham viajado intensamente, e tinham buscado orientação de numerosos Gurus, mas sem sucesso. Agora, estavam, talvez, perguntando-se se iam para outro exercício de futilidade e para mais frustração.

Depois de terem fornecido as informações sobre seus fundamentos em resposta à pergunta habitual de Maharaj, sentaram-se com indiferença. Maharaj olhou para eles por poucos momentos e disse: Por favor, entendam que eu não tenho nada para dar a vocês. Tudo o que faço é pôr diante de vocês um espelho espiritual para mostrar sua verdadeira natureza. Se o significado do que digo for entendido claramente, intuitivamente – não apenas de forma verbal –, e aceito com a mais profunda convicção e a mais urgente rapidez, não será mais necessário nenhum conhecimento.

Este entendimento não é uma questão de tempo (de fato, é anterior ao conceito de tempo) e, quando ele acontece, acontece repentinamente, quase como um choque de compreensão atemporal. Efetivamente, isto significa uma repentina cessação do processo de duração, uma fração de segundo em que o funcionamento do próprio processo do tempo é suspenso – enquanto acontece a integração com o que é anterior à relatividade – e a apreensão absoluta ocorre. Uma vez que esta semente de compreensão tenha se enraizado, o processo de libertação relativa da escravidão imaginada pode seguir seu próprio curso, mas a apreensão em si mesma é sempre instantânea.

A palavra-chave no processo de entendimento do que digo é ‘espontaneidade’. A manifestação de todo o universo é como um sonho, um sonho cósmico, exatamente como o sonho microcósmico de um indivíduo. Todos os objetos são objetos sonhados, todos são aparições na consciência, tanto no caso de um sonho surgindo espontaneamente como um sonho pessoal durante o sono ou como o sonho vivente da vida no qual nós todos estamos sendo sonhados e vividos. Todos os objetos, todas as aparições são sonhadas na consciência pelos seres sensíveis.

Os seres sensíveis são, portanto, tanto figuras sonhadas como sonhadores; não há um sonhador individual, como tal. Cada sonho ativo do universo está na consciência, a qual está no interior de um aparato psicossomático particular, o meio através do qual o perceber e o interpretar ocorrem, e que é confundido com uma entidade individual. No sono profundo não há sonho e, portanto, nenhum universo. É apenas quando você usa a mente dividida que você existe separado dos ‘outros’ e do mundo.

Você não tem controle sobre os objetos em seu sonho pessoal, incluindo o objeto que ‘você’ é em seu sonho. Tudo é espontâneo e, ainda assim, cada um dos objetos em seu sonho pessoal não é senão você. No sonho que é a vida, também, todos os objetos (todos os ‘indivíduos’, mesmo se são opostos um ao outro no sonho) podem apenas ser o que-você-é. Todo funcionamento, toda ação na vida, portanto, pode ser apenas ação espontânea, pois não há nenhuma entidade a realizar qualquer ação. Você é (Eu sou) o funcionamento, o sonho, a dança cósmica de Shiva!

Finalmente, lembre-se que todo sonho de qualquer tipo deve necessariamente ser fenomênico – uma aparição na consciência –, ocorrido quando a consciência estiver ‘desperta’, que é quando a consciência é consciente de si mesma. Quando a consciência não é consciente de si mesma, não pode haver nenhum sonho, como no sono profundo.

Ao chegar neste ponto, o homem do casal tinha uma dúvida. Sua pergunta era: Se todos nós somos figuras sonhadas, sem qualquer escolha independente de decisão e ação, por que deveríamos preocupar-nos com escravidão e liberação? Por que deveríamos vir para Maharaj?

Maharaj riu e disse: Você parece ter chegado à conclusão correta pelo caminho errado! Se você quer dizer que agora está convencido, além de qualquer sombra de dúvida, que o objeto com o qual você havia se identificado é realmente apenas um fenômeno totalmente destituído de qualquer substância, independência ou autonomia – simplesmente uma aparição sonhada na consciência de outro alguém – e que, portanto, para uma simples sombra não pode haver qualquer problema de escravidão ou liberação, e que, consequentemente, não há necessidade de forma alguma de vir e ouvir-me, então você está perfeitamente certo. Se for assim, você não está apenas certo, mas já liberado! Mas, se você quer dizer que deve continuar a visitar-me apenas porque não pode aceitar que é uma mera figura sonhada, sem qualquer independência ou autonomia, então receio que nem mesmo deu o primeiro passo. E, de fato, desde que haja uma entidade buscando a liberação, ela nunca a encontrará.

Veja isto desta forma simples: Qual é a base de qualquer ação? A necessidade. Você come porque há uma necessidade disto; seu corpo evacua porque é necessário. Você me visita por causa da necessidade de visitar-me e escutar o que digo. Quando há a necessidade, a ação se segue espontaneamente sem qualquer intervenção de qualquer agente. Quem sente a necessidade? A consciência, certamente, sente a necessidade através da mediação do aparato psicossomático. Se você pensar que é este aparato, não é este o caso de identidade errada, assumindo a carga da escravidão e buscando a liberação? Mas na realidade o que pergunta, o buscador, é o buscado!

Uma calma absoluta reinou na salinha enquanto todos ponderavam sobre o que Maharaj havia dito. O casal visitante sentou com os olhos fechados, esquecido dos arredores, enquanto os demais visitantes, gradualmente, saiam."


"Sinais do Absoluto" - Diálogos resolutivos com Sri Nisargadatta Maharaj

Retirado do blog: www.editoraadvaita.blogspot.com.br 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Uma Singela Introdução ao Vedanta

"O Vedanta declara que nossa verdadeira natureza é divina: pura, perfeita, eternamente livre. Não temos de nos tornar Brahman, isto já somos. Nosso Ser genuíno, o Atman, é um com Brahman.

Porém, se nossa autêntica natureza é divina, por que então nos encontramos tão espantosamente ignorantes dela? A resposta a esta questão jaz no conceito de maya, ou ignorância. Maya é o véu que encobre nossa real natureza e a real natureza do mundo a nossa volta. Maya é, fundamentalmente, inescrutável: não sabemos por que ela existe e desconhecemos quando principiou. O que sabemos de fato é que, como toda outra forma de ignorância, maya cessa de existir com o despertar do conhecimento, o conhecimento de nossa própria essência divina.

Brahman é a verdade genuína de nossa existência: n’Ele vivemos, nos movemos e n’Ele existimos. “Tudo isto é, em verdade, Brahman”, nos ensinam os Upanishads, as escrituras que formam a filosofia Vedanta. O mundo variável que observamos a nossa volta pode ser comparado às imagens móveis em uma tela de cinema: sem aquela invariável tela como fundo, não poderia haver nenhum cinema. De modo semelhante é aquele imodificável Brahman, o substrato da existência, que, como pano de fundo para este mundo cambiável, confere a ele sua realidade.

Mesmo assim, para nós, esta realidade se acha condicionada, como um espelho recurvo, pelos conceitos de tempo, espaço e causalidade, constituindo a lei de causa e efeito. Nossa visão da realidade se encontra ainda mais obscurecida por uma identificação equivocada: identificamo-nos com o corpo, a mente e o ego, mais que com o Atman, o Ser divino.

Este equívoco hereditário gera ainda mais ignorância e sofrimento, como um efeito dominó: ao nos identificarmos com o corpo e a mente, receamos enfermidade, velhice e morte; identificando-nos com o ego, sofremos com a ira, ódio e centenas de outras misérias. Ainda assim, nada disso afeta nossa verdadeira essência, o Atman.

Maya pode ser comparada àquelas nuvens que encobrem o sol: ele permanece no alto do céu, mas densas nuvens o escondem e nos impedem de vê-lo. Quando as nuvens se dispersam, tornamo-nos conscientes de que o sol ali esteve sempre. (...)

Shankara, o grande sábio da Índia no sétimo século, se utilizava do exemplo da corda e da serpente para ilustrar o conceito de maya. Caminhando por uma estrada escura, um homem vê uma serpente: seu coração se alarma, seu pulso se acelera. Porém, ao observar mais de perto, a “serpente” se transforma em um pedaço de corda enrolada. Uma vez que a ilusão se desfaz, a cobra desaparece para sempre.

Similarmente, caminhando pela estrada escura da ignorância, vemos a nós mesmos como criaturas mortais e, ao redor, o universo de nome e forma, condicionado por tempo, espaço e causalidade. Tomamos consciência de nossas limitações, ligaduras e sofrimentos. Porém, em uma observação mais atenta, tanto a criatura mortal quanto o universo, se revelam como Brahman. Uma vez que a ilusão se desfaz, nossa mortalidade, tanto quanto o universo, desaparece para sempre. Vemos apenas a Brahman existindo em toda parte e em tudo.

Do livro "Vedanta: a Simple Introduction"

O Portão Estreito

Encontre o "portão estreito" que conduz à Vida! Ele tem sido chamado de 'Agora'. Restrinja sua vida a este exato momento. (...) Quando estamos cheios de problemas, não há espaço para nada 'novo' entrar, nenhuma solução. Portanto, sempre que possa, crie algum espaço de modo a encontrar Presença sob o disfarce de sua situação de vida! 

Utilize seus sentidos plenamente, esteja onde estiver. Olhe em volta, apenas 'olhe', não interprete. Veja as luzes, as formas, as cores e as texturas. Esteja consciente da presença silenciosa de cada objeto, esteja consciente do espaço que permite a cada coisa existir. Ouça os sons, não os julgue. Perceba o silêncio por trás dos sons. Toque em algo, sinta e reconheça o Ser alí dentro. Observe o ritmo de sua respiração, sinta o ar fluindo para dentro e para fora. Sinta a energia vital dentro de seu corpo. Permita que as coisas aconteçam, no interior e no exterior. Deixe que todas as coisas 'sejam', mova-se profundamente para dentro do Agora!
Você está deixando para trás o agonizante mundo do 'calculismo' e da 'durabilidade'. Está se libertando da mente doentia que suga sua energia vital, do mesmo modo que, lentamente, está envenenando e destruindo a Terra. Você está acordando do sonho do 'tempo' e ingressando no Presente!

Eckhart Tolle - O Poder do Agora

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Uma Visão Nova e Sempre Fresca

Essa ´eterna presença´ está bem aqui como esse primeiro instante de consciência. Ela nunca se move disso.

E assim você não tem que ´ir´ a lugar algum ou ´fazer´ coisa alguma para obter qualquer coisa que diga respeito à liberdade natural desse fato eterno.

Essa eterna presença parece estar obscurecida naqueles que têm uma firme crença nos conceitos errôneos – um ´eu´ - conceitos de ser um individuo separado, uma ´pessoa´. Eles são uma corrente de conceituações, a qual revolve em torno e através de uma série de crenças. Isso mantém a atenção em um tipo de ciclo. Quase sempre aparece como confusão. Escorregando de um conceito a outro, mantêm a mente ocupada com estórias sem fim de um ´eu´ e de ´outros´. Isso só pode conter breves momentos ´passageiros´ de satisfação, uma vez que a própria vulnerabilidade de suas fundações se deve ao fato de ser meramente uma crença e não um fato.

(...)

Os momentos de paz desse ciclo mental de atividade termina sem aviso, como se parecêssemos escorregar de volta para dentro de mais conceitos. Tudo isso está na aparência de vida normal de um individuo. Isso não tem que ser uma nuvem de não-saber. ´Nós´ como uma fixação na mente, estamos continuamente ´indo com´ o que a mente vomita. Assim como a chuva flui em velhos caminhos no solo virgem, isso é somente um hábito e, contudo, traz tantos problemas para aquele que acredita nele.

Para além de todas essas atividades na mente, a eterna presença do estado natural, que é nossa verdadeira natureza, está bem aqui, bem agora, completamente presente e desobstruída. Aparentemente escondida, ela aparentemente reaparece. A consciência natural é presença. Ela é claramente óbvia e, ainda assim, para muitos, ela não é notada por causa de sua natureza não-objetiva.

Todos os sentidos funcionais estão registrando tudo exatamente como é – na imediaticidade desse momento sempre-presente. Esse fato sutil é a chave para a auto-realização que a maioria não reconhece. Contudo, ele é tão óbvio – esse momento agora – é tudo o que é! Você pode saber isso totalmente, exatamente agora? Isso é tão óbvio. Você é Aquilo. Como você pode dizer que não conhece isso? Exatamente agora, sem ir a qualquer reino temporal na mente – isso é óbvio e nem afirmação nem negação podem tocar sua atualidade efêmera sempre presente.

Nós nos movemos aparentemente para algum estado de mente onde negamos esse momento óbvio de clareza.

(Nota: Eu devo acrescentar aqui que não é tarefa fácil expressar alguns desses aspectos não-conceituais da realidade em palavras. A linguagem não se presta facilmente à tarefa).

Pelo descansar nessa abertura, que inclui o registro imediato ´do que é´, a mente é completamente conhecida – e conhecida sem dúvidas, como sendo clara e vazia. Esse é o lugar onde a consciência e a mente são indistinguíveis.

O conteúdo da mente aparece e desaparece do mesmo modo que todas as coisas aparecem e desaparecem na manifestação. A aparente diferença é somente em escala.

Tudo acontece nessa presença que sabe - que você é.

Com uma atenção apurada, pode-se ver que a mente é preenchida e vazia ao mesmo tempo. (em um instante) Por não fixar em nada, essa consciência ilimitada é conhecida como obviamente livre.

Nada dessa atividade mental cria qualquer coisa e o aspecto universal da mente pura, mente desperta, permanece aberto. Ela apenas parece se fechar para a mente fixada individual. As cortinas são abaixadas e então a visão aberta é fechada para o ´mim´ e seus diversos pontos de referência.

Essa abertura imediata é cheia de saber e, contudo, sempre vazia.

Saber inclui uma ´sensação´ direta e clara de que não há ´ninguém´ aqui (como uma fixação) nessa abertura.

Essa consciência de presença é inegável e inegociável!

Ela está totalmente presente sem qualquer aroma positivo ou negativo.

Ela é consciência auto-brilhante, auto-conhecida.

Pode muito bem ser que você ainda imagine que resolverá todos os seus problemas de algum modo. Que algum método ou sistema de crenças o salvará do caos e do sofrimento.

Como pode ser que esses problemas sejam resolvidos? Eles não são mais que miragem. Você pode transcendê-los, mas não através de crenças ou conceitos – apenas através do saber-direto, da consciência não-conceitual.

Considere: O que você de fato `faz´ no momento de exame de uma miragem? Ela não revela espontaneamente sua natureza sem qualquer ´fazer´ de sua parte?

Todos esses problemas são simplesmente visões incompletas cheias de preferências e preconceitos. São visões parciais do `que é´. Elas pertencem a uma visão errônea e aquele que pensa que vê um problema está encravado na visão fixada ´do vidente´ -conteúdo mental o qual não pode ver! Puro ver é não-dual - não há nenhum ´vidente´, e nenhum objeto substancial que seja ´visto´ separado do puro funcionamento do ver.

Todas essas delineações da totalidade podem apenas ser acrescidas de mais delineações pela mente. O Ver puro e inalterado compreende tudo isso. Veja claramente que nenhuma dessas aparências adicionais de fato permanecem ou ficam por perto.

Todas essas delineações são como linhas dentro de uma folha de papel em branco. Se você continua a ser essas fixações na mente, tudo o que acontece é que você termina como uma folha coberta de linhas, palavras e teorias. Caos e confusão, ou o oposto, um bom padrão. O papel, as linhas e aquele que faz os detalhes rabiscados estão todos aparecendo no espaço limpo e vazio da consciência auto-sabida imparcial.

Abandone todo o diálogo interno e ´volte´ para o sempre-presente primeiro instante de consciência presente. Por um momento, permaneça aberto e simplesmente seja o ver.

Desse modo tudo é revelado.

Permaneça aberto na vastidão DISSO.

Gilbert Schultz - do livro: "Tudo é Claro e Óbvio"

Tradução de André Svarupo

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O Suporte e a Substância da Experiência

Se nossa atenção fosse direcionada agora para o papel branco no qual essas palavras são escritas, experimentaríamos a súbita sensação de termos nos tornado atentos de algo que simultaneamente é demasiado óbvio para ser mencionado. E mesmo assim, no momento em que o papel é indicado, parece que experimentamos algo novo.

Temos a experiencia estranhamente familiar de tornarmo-nos conscientes de algo de que já estávamos conscientes. Tornamo-nos conscientes de estarmos conscientes do papel. O papel não é uma experiencia nova que foi criada por essa indicação. Contudo, nossa consciência do papel parece ser uma nova experiencia.

Agora, que tal a consciência em si mesma, a qual está atenta do papel? Ela não está sempre presente atrás e dentro de toda experiência, do mesmo modo que o papel está presente atrás e dentro das palavras sobre a página?

E quando nossa atenção é dirigida para ele, não temos nós a mesma estranha sensação de termos nos tornado atentos de algo do qual de fato já estávamos sempre atentos, mas não tínhamos notado? 
Não é essa consciência o mais intimo e óbvio fato de nossa experiencia, essencial a, e ainda assim independente de cada qualidade particular de cada experiencia, da mesma forma que o papel é o fato mais óbvio dessa página, essencial a, e ainda assim independente de cada palavra?

Não é essa própria consciência o suporte e a substancia de toda experiencia da mesma forma que o papel é o suporte e a substancia de cada palavra?

Alguma coisa nova precisa ser adicionada a essa pagina para que o papel seja visto? Algo novo precisa ser adicionado à experiencia corrente para podermos nos conscientizar da consciência que é suporte e substancia?

Quando voltamos às palavras, tendo notado o papel, por acaso perdemos de vista o papel? Por acaso agora não vemos os dois, o aparente dois, simultaneamente como um? E por acaso, já não os experimentamos sempre como um, sem nos darmos conta disso?

Do mesmo modo, tendo notado a consciência por trás e dentro de cada experiencia, por acaso perdemos de vista aquela consciência quando retornamos o foco de nossa atenção para o aspecto objetivo da experiência? Por acaso, agora, nós não vemos os dois, os aparentes dois, Consciência e Objeto, simultaneamente como um? E por acaso isso não foi sempre assim?

As palavras, elas mesmas, afetam o papel? Importa para o papel o que é dito pelas palavras? O conteúdo de cada experiencia afeta a consciência na qual esse conteúdo aparece? 
Cada palavra nessa pagina é feita de fato de papel. Elas apenas expressam a natureza do papel, ainda que possam descrever a lua. Cada experiencia apenas expressa a Consciência ou Alerteza, ainda que a experiência em si possa ser infinitamente variada. 

Alerteza ou Consciência é a ‘desconhecitude’ aberta na qual toda experiencia é escrita.
Ela é tão óbvia que não é notada.
Ela é tão próxima que não pode ser conhecida como um objeto e contudo ela é sempre conhecida.
Ela é tão íntima que toda experiência, não importa quão ínfima ou vasta, é totalmente saturada e permeada com sua presença.
Ela é tão amorosa que todas as coisas possíveis de ser imaginadas estão contidas incondicionalmente dentro dela.
Ela é tão aberta que recebe todas as coisas dentro de si.
Ela é tão espaçosa e ilimitada que tudo está contido nela.
Ela é tão presente que cada experiencia está vibrando com sua substancia.
É apenas essa ‘desconhecitude’ aberta, a fonte, a substância e o destino de toda experiência, que é indicada aqui, de novo e de novo.

A Consciência Brilha em Toda Experiência. Meditação não é uma atividade. Ela é a cessação de uma atividade.

Em uma análise final, nada que seja absolutamente verdadeiro pode ser dito da meditação, nem mesmo que ela é a cessação de uma atividade, por que meditação toma lugar ou mais acuradamente, está presente além da mente, portanto, a mente, por definição, não tem acesso a ela.

Porém, a fim de compreender que a meditação não é uma atividade, nós chegamos primeiro à compreensão de que ela é a cessação de uma atividade. Essa compreensão é uma ferramenta muito eficiente para minar a crença de que a meditação seja algo que fazemos.

Uma vez que tenhamos compreendido totalmente que a meditação não é uma atividade, a atividade que nós previamente considerávamos ser meditação chegará naturalmente a um fim. Naquele ponto, o entendimento de que a meditação não é uma atividade terá preenchido seu propósito e também pode ser abandonado.
Uma vez que o espinho tenha removido o espinho, ambos são jogados fora.

A fim de entender que a meditação não é uma atividade, nós usamos o exemplo de um punho fechado. Se tomarmos nossa mão aberta e lentamente a fecharmos até ficar bem apertada, um esforço é requerido, para fechar a mão e para mantê-la nessa postura contraída. Se mantivermos a mão nessa postura contraída por algum tempo, os músculos se acostumarão nessa posição, e nós em breve deixaremos de estar atentos de que esse esforço sutil está continuamente sendo aplicado a fim de mantê-la.

Se alguém nos pedisse agora para abrirmos nossa mão, sentiríamos que um certo esforço é necessário. Em um dado estágio, quando abrirmos nossa mão, tomaremos consciência do fato de que não estamos aplicando um novo esforço para abri-la e que ao invés disso estamos relaxando um esforço prévio, do qual já nem mesmo estávamos conscientes.

O aparente esforço para abrir a mão se revela como o relaxamento de esforço original para contraí-la. O que parecia ser o inicio de um esforço, acaba se revelando como a cessação de um esforço.

A meditação trabalha de forma similar. Nossa verdadeira natureza é aberta, ilimitada, livre, consciente, de luz própria e auto-evidente. Essa é nossa experiencia momento a momento, ainda que não estejamos conscientes disso.

Essa consciência aberta, livre e ilimitada contraiu-se sobre si mesma. Ela aparentemente encolheu-se dentro da forma estreita de um corpo e uma mente, e limitou a si mesma a um minúsculo local dentro da vastidão do espaço e a um breve momento dentro da infinita extensão do tempo.

Essa é a auto-contração primária que a Consciência aberta, livre e ilimitada escolhe de momento a momento por seu próprio livre arbítrio.

Ela desenha uma linha dentro da totalidade de sua experiência e diz a si mesma, “eu sou isso e não aquilo”, “Eu estou aqui e não lá”, “Eu sou eu e não outro”.

Sentindo-se isolada e portanto vulnerável e amedrontada, essa consciência aberta, livre e ilimitada agora se estabelece para dar suporte e proteção à sua nova auto-imposta identidade como um fragmento. Para efetivar isso, ela reforça suas fronteiras com camadas sobre camadas de contração. Ao nível mental essas contrações são feitas de desejos e hábitos por um lado, e resistências, medos e rejeições de outro. Essas são as muitas faces de nossos gostos e desgostos, são os “eu quero” e os “eu não quero”.

No nível do corpo, essas contrações são feitas de sensações corporais com as quais a Consciência se identifica. Elas são a aparente localidade do “eu” dentro do corpo.

Com cada nova camada de contração essa Consciência aberta, livre e ilimitada esquece sua própria natureza não-limitada de forma mais e mais profunda e, assim fazendo, lança um véu sobre si mesma. Ela se esconde de si mesma.

Mas, apesar disso, há freqüentes invasões dentro de seu próprio e auto gerado isolamento as quais a relembram de sua natureza real . . . o sorriso de um estranho, o choro de uma criança, uma dor emocional insuportável, um breve momento sem desejos após o preenchimento de um desejo, um momento de humor, a paz de um sono profundo, uma pausa no processo mental, uma memória da infância, a transição entre o sonho e o despertar, o reconhecimento da beleza, o amor de um amigo, um lampejo de entendimento.

Esses são momentos que são oferecidos a essa presença de Consciência agora velada, inúmeras degustações de sua própria Liberdade e Felicidade, as quais a relembram brevemente de si mesma, antes que ela seja novamente eclipsada pela eficiência das defesas internas dentro das quais ela aparentemente se confinou.

Desse modo, com camadas sobre camadas de auto-contração, a Consciência reduziu-se a si mesma a uma entidade bem fortificada, separada e vulnerável.

Essa não é uma atividade que teve lugar em algum tempo no passado e que agora esteja irrevogavelmente esculpido em pedra. Essa é uma atividade que está se dando agora, nesse momento.
Essa própria Consciência aberta, livre e ilimitada está fazendo essa atividade de separação sem saber disso. 

Essa atividade define a ‘pessoa’, a ‘entidade separada’. A entidade separada é algo que nós, como Consciência, fazemos. Ela não é algo que somos.

Como resultado da Consciência contrair-se sobre si mesma e imaginar-se como sendo um fragmento, ela projeta fora de si mesma tudo o que não esteja contido dentro dos limites de sua própria auto-imposta e limitada identidade.

E esse mundo que agora aparece como separado e externo à Consciência, parece confirmar perfeitamente essa nova visão da Consciência como sendo um fragmento limitado. O mundo torna-se o vasto e potencialmente ameaçador contentor dessa ‘Consciencia-fragmento’.

Ironicamente, é precisamente devido ao mundo ser na realidade, uma aparência na Consciência e uma expressão dela, que ele tão acuradamente reflete as idéias que a Consciência entretém sobre si. Se a Consciência se crê como sendo um fragmento, sendo limitada, sendo aprisionada, sendo algo que aparece no tempo e no espaço, então o mundo aparecerá como a contrapartida desse fragmento.

Tendo negado a si seu próprio direito natural, seu status eterno e onipresente, Consciência esse mesmo status ao mundo das aparências. Ela cede sua própria Realidade ao mundo das aparências e em troca toma para si a tremulante fragilidade do mundo.

Ela se esquece de sua própria Realidade como base e natureza de toda experiência, e ao contrário, projeta essa natureza sobre sua própria criação, sobre o mundo das aparências. A Consciência troca sua natureza pela do mundo das aparências. Ela não tem nenhuma outra alternativa a não ser essa.

De fato, Consciência nunca deixa de experimentar a si mesma. Involucrada dentro de cada experiencia está o sabor de sua própria eternidade.

Contudo, tendo conceituado a si mesma como uma entidade separada e limitada, ela confere a íntima experiência de Presença e Ser ao ‘mundo’, ao ‘outro’.

Desse modo, tempo e espaço parecem tornar-se a base e substância da Realidade, o ‘sine qua non’ de nossa experiencia, e a Consciência por sua vez parece exibir as qualidades mutáveis, intermitentes e limitadas que na realidade pertencem ao mundo das aparências.

A Consciência se esquece de que fez isso, de que está fazendo isso, e como resultado, o mundo parece herdar as características da Consciência. O mundo parece tornar-se como a Consciência, sólido, real, permanente e substancial.

E, por sua vêz, a Consciência parece desistir de suas próprias e inatas qualidades para assumir aquelas que pertencem ao mundo das aparências, isso é, ela parece tornar-se tremeluzente, momentânea, frágil e insubstancial.

Em resumo, a Consciência cria uma aparência que é consistente com suas próprias crenças. De fato, a ‘crença de si mesma como um fragmento separado’ e a ‘aparência do mundo como uma entidade sólida separada’ são co-criadas como um todo mutuamente validante.

William Blake expressou o mesmo entendimento, “Como um homem é, assim ele vê”. Isso poderia ser expresso como “Como a Consciência se vê, assim o mundo aparece”.

Contudo, é o mesmo poder que permite que o mundo apareça de acordo com a visão da Consciência como sendo um fragmento, que por sua vez permite que o mundo apareça de acordo com a nova visão da Consciência, quando ela começa a despertar para sua própria Realidade, quando ela começa a lembrar-se de si mesma.

Essa é a natureza mágica do mundo: que o mesmo mundo possa parecer validar ou a ignorância ou a compreensão. De fato, essa é a natureza mágica da Consciência, sua criatividade, sua onipotência, a qual torna isso possível!

Rupert Spira

Tradução de André Svarupo

Retirado do Blog: www.clarover.blogspot.com.br

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Verdade Pode Ser Buscada? (vídeo)

Neste vídeo, para responder a pergunta que lhe é feita, Jiddu toca num ponto muito importante, no conceito que é essencialmente o causador da dualidade: ele esclarece que a idéia de buscar, em si e instantaneamente, estabelece o senso de que há uma distância a percorrer, o que importa em movimento, em ação!

A grande percepção, o paradoxo a ser transposto é justamente o de que, enquanto houver um "buscador", um "desejador" da verdade, haverá dualidade! 


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Esteja Consciente de Quem Está Consciente!

Neste texto excelente, Osho tenta demonstrar a antiquíssima sabedoria de que a nossa consciência, o nosso senso de SER, de EXISTIR, não está atrelado ao corpo. Na verdade, a sensação de que a consciência é um epifenômeno do corpo é apenas isso: uma sensação!

De fato, se perguntada sobre onde se situa a consciência, a maioria das pessoas dirá que é no corpo, mais especificamente na cabeça! Isso é facilmente explicável: decorre do fato de que a maioria dos nossos orgãos sensoriais está situada da região da cabeça! Acontece que, empiricamente, pode-se perceber que a consciência é algo que não se confunde com a percepção sensorial. Na verdade, a consciência se alimenta das impressões sensoriais para perceber o manifesto! Apenas isso!

Agora, se a consciência é o QUE lhe dá a sensação de SER e se ela não está no seu corpo (como parece estar), diga: Quem é você?

"Você vê através de seus olhos. Lembre-se: você vê através de seus olhos. Os olhos não podem ver. Você vê através deles. Aquele que vê está escondido atrás. Os olhos são simplesmente uma abertura, uma janela. Mas nós continuamos pensando que nós vemos pelos olhos, nós continuamos pensando que ouvimos pelos ouvidos. Ninguém jamais ouviu pelos ouvidos. Você ouve através dos ouvidos, não pelos ouvidos. Aquele que ouve está escondido atrás. Os ouvidos são apenas órgãos receptivos.

Eu toco você, eu lhe dou um toque amoroso, pego-a com a mão. A mão não está tocando você. Eu estou tocando você através da mão. A mão é simplesmente um instrumento. Assim, podem existir dois tipos de toques: quando realmente eu toco você e quando eu simplesmente evito tocar. Eu posso tocar a sua mão ou evitar o toque. Eu posso não estar em minha mão, eu poso ter me retirado.Tente isso e você terá uma percepção diferente, distante. Coloque a sua mão em alguém e mantenha-se fora disso. Uma mão morta está ali, não você. E se o outro for sensitivo, ele sentirá uma mão morta. Ele se sentirá insultado. Você está enganando. Você só está mostrando que está tocando, mas você não está tocando. 

As mulheres são muito sensitivas a respeito disso. Você não consegue enganá-las. Elas têm uma grande sensitividade do toque, do toque corporal, por isso elas sabem. O marido pode estar falando belas coisas. Ele pode ter trazido flores e pode estar dizendo 'eu amo você', mas o seu toque irá mostrar que ele não está presente. E a mulher tem uma percepção instintiva de quando você está com ela e de quando você não está com ela. É difícil enganar as mulheres, a não ser que você seja um mestre. A não ser que você seja um mestre de si mesmo, você não conseguirá enganá-las. Mas um mestre não iria gostar de se tornar um marido, essa é a dificuldade.

Qualquer coisa que você disser será falsa, o seu toque mostrará isso. As crianças são muito sensitivas, você não consegue enganá-las. Você pode dar um tapinha nelas, mas elas sabem que esse é um tapinha morto. Se a sua mão não for uma energia fluida, uma energia amorosa, elas saberão. Será então como se uma coisa morta estiver sendo usada. Quando você está presente em sua mão, em sua totalidade, quando você se moveu, quando o centro do seu ser veio para a sua mão, quando a sua alma está ali, então o toque terá uma qualidade diferente.

Este sutra diz que os sentidos são apenas portas, estações que recebem, médiuns, instrumentos, receptores. Você está escondido atrás. Quando vividamente consciente através de algum sentido em particular, mantenha a consciência. Enquanto ouvir música, não se esqueça de si mesmo no ouvido, não perca a si mesmo no ouvido. Lembre-se da consciência que está escondida atrás. Fique alerta! Enquanto olhar alguém...... Experimente isso. Você pode experimentar isso neste momento, olhando para mim. O que está acontecendo? Você pode olhar para mim pelos olhos e quando eu digo 'pelos olhos' eu quero dizer que você não está consciente de que você está escondido atrás dos olhos. Você pode olhar para mim através dos olhos, e quando eu digo 'através dos olhos' então os olhos estão simplesmente entre você e eu. Você está aí atrás dos olhos, olhando através dos olhos, exatamente como se alguém olhasse através da janela ou dos óculos.

Você já viu um funcionário de banco olhando por cima de seus óculos? Os óculos escorregaram em seu nariz e ele olha por cima. Olhe desse jeito para mim, em direção a mim, como se você estivesse olhando por cima de seus olhos, como se os seus olhos tivessem escorregado um pouco em seu nariz e você está ali atrás olhando para mim. De repente você sentirá uma mudança na qualidade. O seu foco muda e os seus olhos se tornam apenas portas. Isso se torna uma meditação.

Quando ouvir, simplesmente ouça através dos ouvidos e permaneça consciente de seu centro mais interno. Quando tocar, simplesmente toque através das mãos e lembre-se daquele centro mais interno que está escondido atrás. De qualquer sentido você pode ter a percepção do centro mais interno e todos os sentidos vão para o centro mais interno. Há uma comunicação. É por isso que quando você está me vendo e está me ouvindo, quando você está me vendo através dos olhos e me ouvindo através dos ouvidos, lá dentro no fundo, você sabe que você está vendo a mesma pessoa que você está ouvindo. Se eu tivesse algum odor no meu corpo, o seu nariz iria senti-lo.

Então três diferentes sentidos estariam se comunicando a um centro. É por isso que você pode coordenar. De outra maneira seria difícil. Se os seus olhos vêem e seus ouvidos escutam, será difícil saber se você está ouvindo o mesmo homem que você está vendo ou se são dois diferentes, porque esses dois sentidos são diferentes e eles nunca se encontram. Os seus olhos nunca conheceram seus ouvidos e os seus ouvidos nunca ouviram falar a respeito de seus olhos. Eles não se conhecem um ao outro, eles nunca se encontraram, eles nem mesmo foram apresentados.

Então como tudo isso ficou sintetizado? Ouvidos ouvem, olhos vêem, mãos tocam, nariz cheira e, de repente, algum lugar dentro de você sabe que esse é o mesmo homem ao qual você está ouvindo, vendo, tocando e cheirando. Esse que sabe é diferente dos sentidos. Todos os sentidos se comunicam com esse que sabe, e nesse que sabe, no centro, tudo se encontra, se encaixa e se torna um. Isso é milagroso.

Eu sou um, do lado de fora de você. Eu sou um! Meu corpo, a presença de meu corpo, o odor de meu corpo e o meu falar são um. Os seus sentidos me dividirão. Os seus ouvidos irão registrar se eu disser alguma coisa, o seu nariz irá registrar se existir algum odor, os seus olhos irão registrar se eu puder ser visto. E eu sou visível. Eles me dividirão em partes. Mas, de novo, em algum lugar dentro de você, eu me tornarei um. Onde eu me torno um dentro de você é o centro do seu ser. Essa é a sua consciência e você tem se esquecido dela completamente. Esse esquecimento é a ignorância. E a consciência abrirá as portas para o auto-conhecimento. E você não conseguirá conhecer a si mesmo de nenhum outro jeito.

Quando vividamente consciente através de algum sentido em particular, mantenha a consciência. Permaneça com a consciência, mantenha a consciência, permaneça alerta. É difícil no começo. Nós continuamos caindo no sono e parece árduo olhar através dos olhos. É fácil olhar pelos olhos. No começo você sentirá uma certa tensão, se você tentar olhar através dos olhos. Não apenas você sentirá uma certa tensão, a pessoa para quem você estiver olhando também sentirá uma tensão.

Se você olhar para alguém através dos olhos, ele irá sentir como se você estivesse se intrometendo no espaço dele, como se você estivesse fazendo alguma coisa grosseira. Se você olhar através dos olhos, o outro vai achar que você não está se comportando bem, porque o seu olhar vai se tornar penetrante, o seu olhar irá mais fundo. Se o seu olhar vier de sua profundeza, ele irá penetrar na profundeza do outro. É por isso que a sociedade tem um esquema de segurança embutido: não olhe tão profundamente para uma outra pessoa, a não ser que vocês estejam apaixonados. Se você estiver apaixonado, você pode olhar profundamente para o outro, você pode penetrar nas raízes de sua profundidade porque o outro não terá medo. O outro pode estar nu, totalmente nu, o outro pode estar vulnerável, o outro pode se abrir para você. Mas normalmente, se você não estiver apaixonado, não lhe será permitido olhar diretamente, olhar penetrantemente.

Na Índia, uma pessoa que olha de tal maneira penetrante para alguém, é chamada de luchcha. Um luchcha é um vidente. A palavra 'luchcha' vem de lochan. Lochan significa olhos e luchcha significa aquele se transforma em olhos voltados para você. Assim, não experimente isso com alguém que você não conheça, ele pensará que você é um luchcha.

Primeiro experimente com objetos: uma flor, uma árvore, as estrelas na noite. Elas não sentirão que você é um intruso e elas não irão criar objeções. Ao contrário, elas gostarão e se sentirão muito bem e valorizadas. Primeiro experimente com objetos e depois com pessoas a quem você ama, como sua esposa e seus filhos. Algumas vezes pegue seu filho no colo e olhe para ele através dos olhos e a criança compreenderá. Ela compreenderá mais do que qualquer outra pessoa porque ela ainda não foi deformado pela sociedade, ainda não foi pervertida, ela ainda é natural. Ela sentirá um profundo amor se você olhar através dos olhos, ela sentirá a sua presença.

Olhe para o seu namorado ou amado e somente depois, aos poucos, na medida em que você pegar o jeito certo e você se tornar mais hábil a esse respeito, você será capaz de olhar para qualquer outra pessoa. Porque ninguém é capaz de saber que alguém já olhou com tal profundidade. E uma vez que você tenha essa arte de estar sempre alerta atrás de seus sentidos, os sentidos não conseguirão enganá-lo. Fora isso, os sentidos enganam você.

Num mundo só de aparências, eles têm enganado você para que os perceba como reais. Se você puder olhar através dos sentidos e permanecer alerta, pouco a pouco, o mundo se revelará a você como ilusório, como um sonho, e você será capaz de penetrar na substância, na verdadeira substância dele.

Tal substância é Brahma."

Osho

Experiência, Satisfação, Dualidade e Meditação

Todos nós desejamos experiências de alguma natureza: a experiência mística, a religiosa, a sexual, a experiência de possuir muito dinheiro, poder, posição, domínio. Tornando-nos mais velhos, podemos ter acabado com as exigências de nossos apetites físicos, porém exigimos experiências mais amplas, profundas, significativas e tentamos, por vários meios, obtê-las: expandindo a nossa consciência, por exemplo, o que com efeito é uma arte, ou tomando drogas de toda espécie. Este é um velho expediente, existente desde tempos imemoriais — mastigar um pedaço de folha ou experimentar o mais novo produto químico, a fim de provocar uma alteração temporária na estrutura das células cerebrais, uma sensibilidade maior e uma percepção mais intensa que proporcione um simulacro da realidade. Essa exigência de sucessivas experiências denota a pobreza interior do homem. Pensamos que por meio delas podemos fugir de nós mesmos, mas essas experiências são condicionadas pelo que somos. Se a mente é mesquinha, ciumenta, ansiosa, a pessoa poderá tomar a mais moderna droga, porém só verá sua própria e insignificante criação, as projeções sem importância de seu próprio fundo condicionado.

A maioria exige experiências completamente satisfatórias e duradouras, que não possam ser destruídas pelo pensamento. Assim, atrás dessa exigência, está o desejo de satisfação, e esse desejo de satisfação dita a experiência; por conseguinte, temos de compreender não só essa matéria de satisfação, mas também a coisa que se experimenta. Ter uma grande satisfação é experimentar um grande prazer; quanto mais duradoura, profunda e ampla a experiência, tanto mais agradável e, portanto, o prazer dita a forma de experiência que queremos; o prazer é justamente a medida com a qual avaliamos a experiência. Tudo o que é mensurável encontra-se nos limites do pensamento e tem a propriedade de criar a ilusão. Podeis ter experiências maravilhosas e vos sentirdes completamente frustrado. Tereis inevitavelmente visões em conformidade com vosso condicionamento; vereis o Cristo ou o Buda ou outro qualquer em quem credes, e quanto mais crente fordes, tanto mais intensas serão as vossas visões, as projeções de vossas exigências e ânsias.

Assim, se na busca de uma coisa fundamental, tal como a verdade, o prazer é a vossa medida, já projetastes o que a experiência será e, por conseguinte, ela já não é válida.

Que entendemos por experiência? Há nela alguma coisa nova ou original? A experiência é um feixe de memórias reagindo a um desafio, e só pode reagir de acordo com o passado, e quanto mais hábil fordes no interpretar a experiência, tanto mais reage esse passado. Assim, deveis questionar não só a experiência de outrem, mas também a vossa própria. Se não reconheceis uma experiência, não há experiência nenhuma. Toda experiência já foi experimentada, senão não a reconheceríeis. Reconheceis que uma experiência é boa, má, bela, sagrada etc., conforme o vosso condicionamento e, por conseguinte, o reconhecimento de uma experiência tem de ser inevitavelmente velho.

Quando exigimos uma experiência da realidade — como todos nós a exigimos, não? — para experimentá-la, devemos conhecê-la e, tão logo a reconhecemos, já a projetamos e, portanto, ela não é real, porquanto está ainda no âmbito do pensamento e do tempo. Se o pensamento pode pensar sobre a realidade, isso não pode ser a realidade. Não se pode reconhecer uma experiência nova. É impossível. Só reconhecemos aquilo que já conhecemos e, por conseguinte, quando dizemos que tivemos uma nova experiência, ela não é absolutamente nova. A busca de mais experiência pela expansão da consciência, como se tem feito por meio de várias drogas psicodélicas, está ainda no campo da consciência e, por conseguinte, é muito limitada.

Descobrimos, pois, uma verdade fundamental, ou seja que a mente que está a buscar e a ansiar por experiências mais amplas e profundas é uma mente muito superficial e embotada, porquanto está sempre vivendo com suas memórias.

Agora, se não tivéssemos experiência alguma, que nos aconteceria? Dependemos de experiências, de desafios, para nos mantermos despertos. Se não houvesse conflito em nosso interior, se não houvesse mudanças, perturbações, estaríamos todos dormindo a sono solto. Assim, os desafios são necessários à maioria das pessoas; pensamos que, sem eles, a mente se tornará estúpida e pesada e, por conseguinte, dependemos de um desafio, de uma experiência, para termos mais animação, mais intensidade, para termos uma mente mais penetrante. Mas, com efeito, essa dependência dos desafios e das experiências, para nos conservarmos despertos, só torna a nossa mente mais embotada ainda; não nos mantém realmente despertos. Assim, pergunto a mim mesmo: "É possível nos mantermos totalmente despertos — não superficialmente, em alguns pontos de meu ser, porém totalmente despertos, sem nenhum desafio ou experiência?" Isso exige uma grande sensibilidade, tanto física como psicológica; significa que devo estar livre de todas as exigência, porque, no momento em que exijo uma experiência, a terei. E, para ficar livre da exigência de satisfação, torna-se necessária uma investigação de mim mesmo e uma compreensão total da natureza da exigência.

Toda exigência nasce da dualidade: "Sou infeliz, e tenho de ser feliz". Nessa própria exigência — tenho de ser feliz — está a infelicidade. Quando uma pessoa se esforça para ser boa, nesse próprio ser bom está o seu oposto — ser mau. Tudo o que se afirma contém o seu próprio oposto; e o esforço que se faz para dominá-lo torna mais forte aquilo contra que se luta. Quando exigis uma experiência da verdade ou da realidade, essa própria exigência nasceu de vosso descontentamento com o que ê; por conseguinte, a exigência cria o oposto. No oposto está o que foi. Temos, pois, de ficar livres dessa incessante exigência, porquanto, do contrário, nunca se acabará a galeria da dualidade. Isso significa conhecer a si próprio de maneira tão completa que a mente não mais se ponha a buscar.

A mente, então, não exige experiência; não pode pedir ou conhecer um desafio; não diz "Estou dormindo", "Estou acordada". Ela é, toda ela, o que é. Só a mente frustrada, limitada, superficial, condicionada, está sempre a buscar o mais. Será possível, então, viver neste mundo sem o mais — sem essa perene comparação? É, decerto, mas temos de descobri-lo por nós mesmos.

A investigação completa dessa questão é meditação. Esta palavra tem sido empregada, tanto no Oriente como no Ocidente, de uma maneira muito lamentável. Há diferentes escolas de meditação, diferentes métodos e sistemas. Certos sistemas ensinam: "Observa os movimentos do dedo grande de teu pé, observa-o, observa-o, observa-o"; outros advogam o ficar sentado numa certa postura, respirando regularmente ou praticando o percebimento. Tudo isso é completamente mecânico. Outro método dá-vos uma certa palavra, e vos diz que, se ficardes repetindo essa palavra, ela vos proporcionará uma certa experiência fundamental, extraordinária. Isso é puro absurdo. É uma forma de auto-hipnose. Se ficardes repetindo indefinidamente Amém ou Om ou Coca-Cola, é óbvio que tereis uma certa experiência, porque, pela repetição, a mente se aquieta. Esse é um fenômeno bem conhecido, praticado há milhares de anos na índia; chama-se Mantra Ioga. Pela repetição pode-se induzir a mente a tornar-se branda e macia, entretanto ela continua pequenina, vulgar, mesquinha. O mesmo efeito se obteria com apanhar no jardim um pedaço de pau, colocá-lo sobre a lareira, e oferecer-lhe todos os dias uma flor. Daí a um mês o estaríeis adorando, e se deixásseis de depositar uma flor diante dele, isso seria um pecado.

Meditação não é seguir um sistema; não é repetição e imitação constantes. Meditação não é concentração. Um dos truques de certos instrutores de meditação é insistirem em que os seus discípulos aprendam a concentração, ou seja fixar a mente num pensamento e expulsar todos os outros pensamentos. Essa é uma das coisas mais estúpidas e mais maléficas, e qualquer colegial é capaz de fazê-la, se obrigado a tal. Significa que ficais empenhado numa contínua batalha entre a obrigação de vos concentrardes, a um lado, e a vossa mente, a outro lado, que se põe a fugir para outras e variadas coisas — quando, ao contrário, devemos estar atentos a cada movimento da mente, aonde quer que ela vá. Quando vossa mente foge, isso significa que estais interessado em alguma outra coisa.

A meditação exige uma mente sobremodo vigilante; a meditação é a compreensão da totalidade da vida, na qual não existe mais nenhuma espécie de fragmentação. Meditação não é controle do pensamento, porque, quando o pensamento é controlado, gera conflito na mente; mas, quando se compreende a estrutura e origem do pensamento, assunto que já examinamos, o pensamento então não mais interfere. Essa compreensão da estrutura do pensar é sua própria disciplina, que é meditação.

Meditação é estar cônscio de cada pensamento e de cada sentimento, nunca dizer que ele é certo ou errado, porém simplesmente observar e acompanhar seu movimento. Nessa vigilância, compreendeis o movimento total do pensamento e do sentimento. E dessa vigilância vem o silêncio. O silêncio criado pelo pensamento é estagnação, coisa morta, porém o silêncio que vem quando o pensamento compreendeu a sua própria origem, sua própria natureza, compreendeu que nenhum pensamento é livre, porém sempre velho — esse silêncio é meditação, na qual o meditador está de todo ausente, porque a mente se esvaziou do passado.

Se lestes este livro durante uma hora, isso é meditação. Se apenas recolhestes umas poucas palavras e juntastes algumas idéias, para sobre elas refletirdes mais tarde, isso então já não é meditação. Meditação é um estado em que a mente olha todas as coisas com toda a atenção e não apenas com algumas partes dela. Ninguém pode ensinar-vos a prestar atenção. Se algum sistema vos ensina a estar atento, estais então atento ao sistema, e isso não é atenção. A meditação é uma das maiores artes da vida — talvez a maior de todas — mas não se pode de modo nenhum aprendê-la de alguém — e essa é que é a sua beleza. Ela não tem técnica e, por conseguinte, nenhuma autoridade. Quando estais aprendendo a conhecer-vos realmente, quando vos observais, observais vossa maneira de andar, de comer, o que dizeis, vossas tagarelices, vosso ódio, vosso ciúme, se estais cônscio de tudo isso, em vós mesmo, sem nenhuma escolha, isso faz parte da meditação.

Assim, a meditação pode verificar-se quando estais sentado num ônibus ou passeando numa floresta toda de luz e de sombra, ou ouvindo o canto dos pássaros, ou olhando o rosto de vossa mulher ou de vosso filho.

Na compreensão dada pela meditação há amor, e o amor não é produto de sistemas, de hábitos, da observância de um método. O amor não pode ser cultivado pelo pensamento. O amor pode, talvez, nascer quando há silêncio completo, um silêncio no qual esteja de todo ausente o meditador; e a mente só é capaz de silêncio quando compreende seu próprio movimento como pensamento e sentimento. Para se compreender esse movimento de pensamento e de sentimento, não pode haver condenação enquanto se observa. Observar dessa maneira é disciplina, e essa qualidade de disciplina é fluida, livre, e assim não é a disciplina do ajustamento.


Krishnamurti - Liberte-se do passado


Retirado do Blog: www.pensarcompulsivo.blogspot.com.br

domingo, 6 de janeiro de 2013

A Visão Auto-centrada

Em 2005, o filósofo e escritor americano David Foster Wallace foi convidado para ser paraninfo de uma turma que se formava no renomado Kenyon College, um instituto privado de artes liberais que fica em Ohio, nos Estados Unidos.

O texto abaixo é a íntegra do Discurso feito por ele! É muito interessante perceber que, apesar de não se conhecer nenhuma vertente espiritualista na formação de David Foster, as suas colocações demonstram uma forte preocupação em propor aos alunos que eles desenvolvessem a capacidade de se manter conscientes, de se manter presentes, impedindo que a mente interferisse na sua visão das coisas. Especialmente na visão acerca "dos outros"! Curiosamente (ou não), a proposição no sentido de se manter presente e consciente é um dos mais fortes elementos nas abordagens espirituais orientais.

Além disso, o discurso propõe uma quebra na visão auto-centrada que o senso de individualidade e a consciência egóica impõem à maioria das pessoas!

Num primeiro instante, a audiência não entende muito bem onde ele quer chegar (no áudio, é possível ouvir as risadas das pessoas), mas, a partir de um dado momento, o silêncio toma conta dos ouvintes! Vale a pena ler (ou ouvir) até o fim!

"Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:

- Bom dia, meninos. Como está a água?

Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:

- Água? Que diabo é isso?

Não se preocupem, não pretendo me apresentar a vocês como o peixe mais velho e sábio que explica o que é água ao peixe mais novo. Não sou um peixe velho e sábio. O ponto central da história dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. Enunciada dessa -forma, a frase soa como uma platitude - mas é fato que, nas trincheiras do dia-a-dia da existência adulta, lugares comuns banais podem adquirir uma importância de vida ou morte.

Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos.

Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras "virtudes". Essa não é uma questão de virtude - trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.

Num ambiente de excelência acadêmica, cabe a pergunta: quanto do esforço em adequar a nossa configuração padrão exige de sabedoria ou de intelecto? A pergunta é capciosa. O risco maior de uma formação acadêmica - pelo menos no meu caso - é que ela reforça a tendência a intelectualizar demais as questões, a se perder em argumentos abstratos, em vez de simplesmente prestar atenção ao que está ocorrendo bem na minha frente.

Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o surrado clichê de "ensinar os alunos como pensar" é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria. "Aprender a pensar" significa aprender como exercer algum controle sobre como e o que cada um pensa. Significa ter plena consciência do que escolher como alvo de atenção e pensamento. Se vocês não conseguirem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão totalmente à deriva.

Lembrem o velho clichê: "A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível." Como tantos clichês, também esse soa inconvincente e sem graça. Mas ele expressa uma grande e terrível verdade. Não é coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre o façam com um tiro na cabeça. Só que, no fundo, a maioria desses suicidas já estava morta muito antes de apertar o gatilho. Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens e patacoadas que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão - a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós.

Isso também parece outra hipérbole, mais uma abstração oca. Sejamos concretos então. O fato cru é que vocês, graduandos, ainda não têm a mais vaga idéia do significado real do que seja viver um dia após o outro. Existem grandes nacos da vida adulta sobre os quais ninguém fala em discursos de formatura. Um desses nacos envolve tédio, rotina e frustração mesquinha.

Vou dar um exemplo prosaico imaginando um dia qualquer do futuro. Você acordou de manhã, foi para seu prestigiado emprego, suou a camisa por nove ou dez horas e, ao final do dia, está cansado, estressado, e tudo que deseja é chegar em casa, comer um bom prato de comida, talvez relaxar por umas horas, e depois ir para cama, porque terá de acordar cedo e fazer tudo de novo. Mas aí lembra que não tem comida na geladeira. Você não teve tempo de fazer compras naquela semana, e agora precisa entrar no carro e ir ao supermercado. Nesse final de dia, o trânsito está uma lástima.

Quando você finalmente chega lá, o supermercado está lotado, horrivelmente iluminado com lâmpadas fluorescentes e impregnado de uma música ambiente de matar. É o último lugar do mundo onde você gostaria de estar, mas não dá para entrar e sair rapidinho: é preciso percorrer todos aqueles corredores superiluminados para encontrar o que procura, e manobrar seu carrinho de compras de rodinhas emperradas entre todas aquelas outras pessoas cansadas e apressadas com seus próprios carrinhos de compras. E, claro, há também aqueles idosos que não saem da frente, e as pessoas desnorteadas, e os adolescentes hiperativos que bloqueiam o corredor, e você tem que ranger os dentes, tentar ser educado, e pedir licença para que o deixem passar. Por fim, com todos os suprimentos no carrinho, percebe que, como não há caixas suficientes funcionando, a fila é imensa, o que é absurdo e irritante, mas você não pode descarregar toda a fúria na pobre da caixa que está à beira de um ataque de nervos.

De qualquer modo, você acaba chegando à caixa, paga por sua comida e espera até que o cheque ou o cartão seja autenticado pela máquina, e depois ouve um "boa noite, volte sempre" numa voz que tem o som absoluto da morte. Na volta para casa, o trânsito está lento, pesado etc. e tal.

É num momento corriqueiro e desprezível como esse que emerge a questão fundamental da escolha. O engarrafamento, os corredores lotados e as longas filas no supermercado me dão tempo de pensar. Se eu não tomar uma decisão consciente sobre como pensar a situação, ficarei irritado cada vez que for comprar comida, porque minha configuração padrão me leva a pensar que situações assim dizem respeito a mim, a minha fome, minha fadiga, meu desejo de chegar logo em casa. Parecerá sempre que as outras pessoas não passam de estorvos. E quem são elas, aliás? Quão repulsiva é a maioria, quão bovinas, e inexpressivas e desumanas parecem ser as da fila da caixa, quão enervantes e rudes as que falam alto nos celulares.

Também posso passar o tempo no congestionamento zangado e indignado com todas essas vans, e utilitários e caminhões enormes e estúpidos, bloqueando as pistas, queimando seus imensos tanques de gasolina, egoístas e perdulários. Posso me aborrecer com os adesivos patrióticos ou religiosos, que sempre parecem estar nos automóveis mais potentes, dirigidos pelos motoristas mais feios, desatenciosos e agressivos, que costumam falar no celular enquanto fecham os outros, só para avançar uns 20 metros idiotas no engarrafamento. Ou posso me deter sobre como os filhos dos nossos filhos nos desprezarão por desperdiçarmos todo o combustível do futuro, e provavelmente estragarmos o clima, e quão mal-acostumados e estúpidos e repugnantes todos nós somos, e como tudo isso é simplesmente pavoroso etc. e tal.

Se opto conscientemente por seguir essa linha de pensamento, ótimo, muitos de nós somos assim - só que pensar dessa maneira tende a ser tão automático que sequer precisa ser uma opção. Ela deriva da minha configuração padrão.

Mas existem outras formas de pensar. Posso, por exemplo, me forçar a aceitar a possibilidade de que os outros na fila do supermercado estão tão entediados e frustrados quanto eu, e, no cômputo geral, algumas dessas pessoas provavelmente têm vidas bem mais difíceis, tediosas ou dolorosas do que eu.

Fazer isso é difícil, requer força de vontade e empenho mental. Se vocês forem como eu, alguns dias não conseguirão fazê-lo, ou simplesmente não estarão a fim. Mas, na maioria dos dias, se estiverem atentos o bastante para escolher, poderão preferir olhar melhor para essa mulher gorducha, inexpressiva e estressada que acabou de berrar com a filhinha na fila da caixa. Talvez ela não seja habitualmente assim. Talvez ela tenha passado as três últimas noites em claro, segurando a mão do marido que está morrendo. Ou talvez essa mulher seja a funcionária mal remunerada do Departamento de Trânsito que, ontem mesmo, por meio de um pequeno gesto de bondade burocrática, ajudou algum conhecido seu a resolver um problema insolúvel de documentação.

Claro que nada disso é provável, mas tampouco é impossível. Tudo depende do que vocês queiram levar em conta. Se estiverem automaticamente convictos de conhecerem toda a realidade, vocês, assim como eu, não levarão em conta possibilidades que não sejam inúteis e irritantes. Mas, se vocês aprenderam como pensar, saberão que têm outras opções. Está ao alcance de vocês vivenciarem uma situação "inferno do consumidor" não apenas como significativa, mas como iluminada pela mesma força que acendeu as estrelas.

Relevem o tom aparentemente místico. A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.

Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como "não venerar". Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar - seja Jesus Cristo, Alá ou Jeová, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos - é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo. Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio - e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado.

No fundo, sabemos de tudo isso, que está no coração de mitos, provérbios, clichês, epigramas e parábolas. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante.

O insidioso dessas formas de veneração não está em serem pecaminosas - e sim em serem inconscientes. São o tipo de veneração em direção à qual você vai se acomodando quase que por gravidade, dia após dia. Você se torna mais seletivo em relação ao que quer ver, ao que valorizar, sem ter plena consciência de que está fazendo uma escolha.

O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.

Esse tipo de liberdade tem méritos. Mas existem outros tipos de liberdade. Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo. A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros - no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre, e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita.

Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência - consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor - daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: "Isto é água, isto é água."




Texto traduzido retirado da Revista Piauí, edição 25, outubro de 2008.