segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O Cristianismo e a Não-Dualidade I

Ao longo de séculos, por ignorância, por ganância, por arrogância e inúmeras outras razões, a igreja secular cometeu - sem querer fazer trocadilhos, mas, já fazendo - o maior pecado de todos os tempos: criar no homem a sensação de que ele está separado de Deus, de que o sagrado (e Deus, por consequência) fica num lugar tremendamente longe da Terra.

É uma postura perfeitamente compreensível! Quando se cria um senso de separação, automaticamente, surge o senso de que há espaço e oportunidade para um mediador. Ou, em outras palavras, um mediador passa a ser necessário e desejável, juntamente com uma hierarquia. Muito inteligente!

Nesta atmosfera, também se torna muito oportuno e inteligente - do ponto de vista de interesses pessoais, ainda que institucionais - estabelecer o conceito de que este Deus distante também é severo e vê tudo com pessoalidade. É o ambiente perfeito para que conceitos como pecado, temor e julgamento vicejem.

Acontece que, de outro lado, todas as abordagens espirituais do oriente têm uma proposta bem diferente. Para elas, Deus é o UM! O UM do qual tudo decorre! O UM que é manifesto e imanifesto, que está perenemente presente, que envolve tudo e no qual tudo - incluído o homem - acontece.

Para aquelas tradições orientais, o homem está apenas vitimado pela ilusão de que é apartado de Deus e do resto do Universo. Isso é MAYA, a divina ilusão. E essa ilusão tem muito a ver com a palavra pecado, quando se analisa a etimologia da mesma. Pecado vem do grego harmatia, que pode ser traduzido como "errar o alvo". Em outras palavras, estar em pecado, originariamente, significava estar enganado sobre algo (sobre si mesmo, mais especificamente) e não tinha, portanto, o senso de se ter cometido uma falta, de se ter violado regras ou, especialmente, de se ter desagradado Alguém, como se estabeleceu ao longo dos séculos.

E nestas abordagens orientais, nem mesmo esta ilusão acerca de si próprio e da sua real relação com Deus alça o homem à condição de faltoso, de pecador. Essa própria ilusão também é obra de Deus, é o próprio UM brincando de ser vários e alegremente escondendo-se de si mesmo.

O curioso é que, quando se analisa o maior codex da doutrina cristã - a Bíblia - é perfeitamente possível perceber que todo o substrato dos ensinamentos do Cristo Jesus apontavam para esta verdade da não-dualidade, da presença de Deus no homem e vice-versa. São inúmeras as passagens.

No evangelho de João, a maior evidência da não dualidade:

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 

João (...) e o Verbo SE FEZ carne."

O verbo era Deus e ele não fez alguém de carne. Ele não fabricou uma pessoa. Ele SE FEZ carne!!

Em Atos 17.11, ao ser indagado sobre o Deus ao qual se referia, Paulo esclarece:

"Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que NÃO ESTÁ LONGE DE CADA UM DE NÓS;

PORQUE NELE VIVEMOS, E NOS MOVEMOS, E EXISTIMOS; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração..."


Nesta passagem, fica evidente a tentativa de acabar com o senso de espacialidade típica da visão de Deus apartado do homem.

Essas são apenas algumas das passagens bíblicas - e, por certo, existirão inúmeras outras - que, quando analisadas sem interferência de conceitos, idéias fixas e crenças hiperimpostas, evidenciam a não dualidade contida nos ensinamentos de Jesus. E tais ensinamentos guardam uma estreita relação com aqueles oferecidos e propostos pelo Advaita Vedanta da índia que, aliás, antecedeu o cristianismo em alguns milênios.


O que fica evidente, portanto, é que o cristianismo originário apontava para a mesma direção de outras tradições espirituais que o antecederam e mesmo nas que o sucederam, como foi o caso do Islamismo: não existe nada além de Deus, sendo que, embora não perceba isto, o homem é o próprio UM, imaterial, fenomenicamente manifestando-se no tempo/espaço.


Em todas elas, entretanto, o que houve foram distorções maiores ou menores que, diga-se de passagem, dentro do próprio Cristianismo, foram identificadas e transcendidas por inúmeras pessoas, como por exemplo, São Francisco de Assis, Santa Tereza de Ávila, Santo Agostinho, São João da Cruz e São Gregório de Nissa, dentro da Igreja Católica, e Willian Law, Denk, John Smith e George Fox, dentro do protestantismo. Todos eles, de uma forma ou de outra, perseguidos pela igreja secular.

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