quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O Suporte e a Substância da Experiência

Se nossa atenção fosse direcionada agora para o papel branco no qual essas palavras são escritas, experimentaríamos a súbita sensação de termos nos tornado atentos de algo que simultaneamente é demasiado óbvio para ser mencionado. E mesmo assim, no momento em que o papel é indicado, parece que experimentamos algo novo.

Temos a experiencia estranhamente familiar de tornarmo-nos conscientes de algo de que já estávamos conscientes. Tornamo-nos conscientes de estarmos conscientes do papel. O papel não é uma experiencia nova que foi criada por essa indicação. Contudo, nossa consciência do papel parece ser uma nova experiencia.

Agora, que tal a consciência em si mesma, a qual está atenta do papel? Ela não está sempre presente atrás e dentro de toda experiência, do mesmo modo que o papel está presente atrás e dentro das palavras sobre a página?

E quando nossa atenção é dirigida para ele, não temos nós a mesma estranha sensação de termos nos tornado atentos de algo do qual de fato já estávamos sempre atentos, mas não tínhamos notado? 
Não é essa consciência o mais intimo e óbvio fato de nossa experiencia, essencial a, e ainda assim independente de cada qualidade particular de cada experiencia, da mesma forma que o papel é o fato mais óbvio dessa página, essencial a, e ainda assim independente de cada palavra?

Não é essa própria consciência o suporte e a substancia de toda experiencia da mesma forma que o papel é o suporte e a substancia de cada palavra?

Alguma coisa nova precisa ser adicionada a essa pagina para que o papel seja visto? Algo novo precisa ser adicionado à experiencia corrente para podermos nos conscientizar da consciência que é suporte e substancia?

Quando voltamos às palavras, tendo notado o papel, por acaso perdemos de vista o papel? Por acaso agora não vemos os dois, o aparente dois, simultaneamente como um? E por acaso, já não os experimentamos sempre como um, sem nos darmos conta disso?

Do mesmo modo, tendo notado a consciência por trás e dentro de cada experiencia, por acaso perdemos de vista aquela consciência quando retornamos o foco de nossa atenção para o aspecto objetivo da experiência? Por acaso, agora, nós não vemos os dois, os aparentes dois, Consciência e Objeto, simultaneamente como um? E por acaso isso não foi sempre assim?

As palavras, elas mesmas, afetam o papel? Importa para o papel o que é dito pelas palavras? O conteúdo de cada experiencia afeta a consciência na qual esse conteúdo aparece? 
Cada palavra nessa pagina é feita de fato de papel. Elas apenas expressam a natureza do papel, ainda que possam descrever a lua. Cada experiencia apenas expressa a Consciência ou Alerteza, ainda que a experiência em si possa ser infinitamente variada. 

Alerteza ou Consciência é a ‘desconhecitude’ aberta na qual toda experiencia é escrita.
Ela é tão óbvia que não é notada.
Ela é tão próxima que não pode ser conhecida como um objeto e contudo ela é sempre conhecida.
Ela é tão íntima que toda experiência, não importa quão ínfima ou vasta, é totalmente saturada e permeada com sua presença.
Ela é tão amorosa que todas as coisas possíveis de ser imaginadas estão contidas incondicionalmente dentro dela.
Ela é tão aberta que recebe todas as coisas dentro de si.
Ela é tão espaçosa e ilimitada que tudo está contido nela.
Ela é tão presente que cada experiencia está vibrando com sua substancia.
É apenas essa ‘desconhecitude’ aberta, a fonte, a substância e o destino de toda experiência, que é indicada aqui, de novo e de novo.

A Consciência Brilha em Toda Experiência. Meditação não é uma atividade. Ela é a cessação de uma atividade.

Em uma análise final, nada que seja absolutamente verdadeiro pode ser dito da meditação, nem mesmo que ela é a cessação de uma atividade, por que meditação toma lugar ou mais acuradamente, está presente além da mente, portanto, a mente, por definição, não tem acesso a ela.

Porém, a fim de compreender que a meditação não é uma atividade, nós chegamos primeiro à compreensão de que ela é a cessação de uma atividade. Essa compreensão é uma ferramenta muito eficiente para minar a crença de que a meditação seja algo que fazemos.

Uma vez que tenhamos compreendido totalmente que a meditação não é uma atividade, a atividade que nós previamente considerávamos ser meditação chegará naturalmente a um fim. Naquele ponto, o entendimento de que a meditação não é uma atividade terá preenchido seu propósito e também pode ser abandonado.
Uma vez que o espinho tenha removido o espinho, ambos são jogados fora.

A fim de entender que a meditação não é uma atividade, nós usamos o exemplo de um punho fechado. Se tomarmos nossa mão aberta e lentamente a fecharmos até ficar bem apertada, um esforço é requerido, para fechar a mão e para mantê-la nessa postura contraída. Se mantivermos a mão nessa postura contraída por algum tempo, os músculos se acostumarão nessa posição, e nós em breve deixaremos de estar atentos de que esse esforço sutil está continuamente sendo aplicado a fim de mantê-la.

Se alguém nos pedisse agora para abrirmos nossa mão, sentiríamos que um certo esforço é necessário. Em um dado estágio, quando abrirmos nossa mão, tomaremos consciência do fato de que não estamos aplicando um novo esforço para abri-la e que ao invés disso estamos relaxando um esforço prévio, do qual já nem mesmo estávamos conscientes.

O aparente esforço para abrir a mão se revela como o relaxamento de esforço original para contraí-la. O que parecia ser o inicio de um esforço, acaba se revelando como a cessação de um esforço.

A meditação trabalha de forma similar. Nossa verdadeira natureza é aberta, ilimitada, livre, consciente, de luz própria e auto-evidente. Essa é nossa experiencia momento a momento, ainda que não estejamos conscientes disso.

Essa consciência aberta, livre e ilimitada contraiu-se sobre si mesma. Ela aparentemente encolheu-se dentro da forma estreita de um corpo e uma mente, e limitou a si mesma a um minúsculo local dentro da vastidão do espaço e a um breve momento dentro da infinita extensão do tempo.

Essa é a auto-contração primária que a Consciência aberta, livre e ilimitada escolhe de momento a momento por seu próprio livre arbítrio.

Ela desenha uma linha dentro da totalidade de sua experiência e diz a si mesma, “eu sou isso e não aquilo”, “Eu estou aqui e não lá”, “Eu sou eu e não outro”.

Sentindo-se isolada e portanto vulnerável e amedrontada, essa consciência aberta, livre e ilimitada agora se estabelece para dar suporte e proteção à sua nova auto-imposta identidade como um fragmento. Para efetivar isso, ela reforça suas fronteiras com camadas sobre camadas de contração. Ao nível mental essas contrações são feitas de desejos e hábitos por um lado, e resistências, medos e rejeições de outro. Essas são as muitas faces de nossos gostos e desgostos, são os “eu quero” e os “eu não quero”.

No nível do corpo, essas contrações são feitas de sensações corporais com as quais a Consciência se identifica. Elas são a aparente localidade do “eu” dentro do corpo.

Com cada nova camada de contração essa Consciência aberta, livre e ilimitada esquece sua própria natureza não-limitada de forma mais e mais profunda e, assim fazendo, lança um véu sobre si mesma. Ela se esconde de si mesma.

Mas, apesar disso, há freqüentes invasões dentro de seu próprio e auto gerado isolamento as quais a relembram de sua natureza real . . . o sorriso de um estranho, o choro de uma criança, uma dor emocional insuportável, um breve momento sem desejos após o preenchimento de um desejo, um momento de humor, a paz de um sono profundo, uma pausa no processo mental, uma memória da infância, a transição entre o sonho e o despertar, o reconhecimento da beleza, o amor de um amigo, um lampejo de entendimento.

Esses são momentos que são oferecidos a essa presença de Consciência agora velada, inúmeras degustações de sua própria Liberdade e Felicidade, as quais a relembram brevemente de si mesma, antes que ela seja novamente eclipsada pela eficiência das defesas internas dentro das quais ela aparentemente se confinou.

Desse modo, com camadas sobre camadas de auto-contração, a Consciência reduziu-se a si mesma a uma entidade bem fortificada, separada e vulnerável.

Essa não é uma atividade que teve lugar em algum tempo no passado e que agora esteja irrevogavelmente esculpido em pedra. Essa é uma atividade que está se dando agora, nesse momento.
Essa própria Consciência aberta, livre e ilimitada está fazendo essa atividade de separação sem saber disso. 

Essa atividade define a ‘pessoa’, a ‘entidade separada’. A entidade separada é algo que nós, como Consciência, fazemos. Ela não é algo que somos.

Como resultado da Consciência contrair-se sobre si mesma e imaginar-se como sendo um fragmento, ela projeta fora de si mesma tudo o que não esteja contido dentro dos limites de sua própria auto-imposta e limitada identidade.

E esse mundo que agora aparece como separado e externo à Consciência, parece confirmar perfeitamente essa nova visão da Consciência como sendo um fragmento limitado. O mundo torna-se o vasto e potencialmente ameaçador contentor dessa ‘Consciencia-fragmento’.

Ironicamente, é precisamente devido ao mundo ser na realidade, uma aparência na Consciência e uma expressão dela, que ele tão acuradamente reflete as idéias que a Consciência entretém sobre si. Se a Consciência se crê como sendo um fragmento, sendo limitada, sendo aprisionada, sendo algo que aparece no tempo e no espaço, então o mundo aparecerá como a contrapartida desse fragmento.

Tendo negado a si seu próprio direito natural, seu status eterno e onipresente, Consciência esse mesmo status ao mundo das aparências. Ela cede sua própria Realidade ao mundo das aparências e em troca toma para si a tremulante fragilidade do mundo.

Ela se esquece de sua própria Realidade como base e natureza de toda experiência, e ao contrário, projeta essa natureza sobre sua própria criação, sobre o mundo das aparências. A Consciência troca sua natureza pela do mundo das aparências. Ela não tem nenhuma outra alternativa a não ser essa.

De fato, Consciência nunca deixa de experimentar a si mesma. Involucrada dentro de cada experiencia está o sabor de sua própria eternidade.

Contudo, tendo conceituado a si mesma como uma entidade separada e limitada, ela confere a íntima experiência de Presença e Ser ao ‘mundo’, ao ‘outro’.

Desse modo, tempo e espaço parecem tornar-se a base e substância da Realidade, o ‘sine qua non’ de nossa experiencia, e a Consciência por sua vez parece exibir as qualidades mutáveis, intermitentes e limitadas que na realidade pertencem ao mundo das aparências.

A Consciência se esquece de que fez isso, de que está fazendo isso, e como resultado, o mundo parece herdar as características da Consciência. O mundo parece tornar-se como a Consciência, sólido, real, permanente e substancial.

E, por sua vêz, a Consciência parece desistir de suas próprias e inatas qualidades para assumir aquelas que pertencem ao mundo das aparências, isso é, ela parece tornar-se tremeluzente, momentânea, frágil e insubstancial.

Em resumo, a Consciência cria uma aparência que é consistente com suas próprias crenças. De fato, a ‘crença de si mesma como um fragmento separado’ e a ‘aparência do mundo como uma entidade sólida separada’ são co-criadas como um todo mutuamente validante.

William Blake expressou o mesmo entendimento, “Como um homem é, assim ele vê”. Isso poderia ser expresso como “Como a Consciência se vê, assim o mundo aparece”.

Contudo, é o mesmo poder que permite que o mundo apareça de acordo com a visão da Consciência como sendo um fragmento, que por sua vez permite que o mundo apareça de acordo com a nova visão da Consciência, quando ela começa a despertar para sua própria Realidade, quando ela começa a lembrar-se de si mesma.

Essa é a natureza mágica do mundo: que o mesmo mundo possa parecer validar ou a ignorância ou a compreensão. De fato, essa é a natureza mágica da Consciência, sua criatividade, sua onipotência, a qual torna isso possível!

Rupert Spira

Tradução de André Svarupo

Retirado do Blog: www.clarover.blogspot.com.br

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