terça-feira, 4 de junho de 2013

Ação e Idéia

Uma das atividades mais tiranicas da manutenção do ego consiste em converter a experiência em ideias que proporcionem segurança na ação. Qualquer experiência, por mais nobre e autentica que tenha sido, é atraiçoada quando a procuras cristalizar numa ideia. É egoísmo procurar agir em conformidade com o amor e altruísmo Se procuras ser consistente com uma ideia de liberdade, então não és livre, és escravo. Não podes ser livre se a tua ação se processa em obediência a uma ideia. Na liberdade não está presente a obediência ou conformidade. A liberdade é ausência de ideia. A ação livre é sempre espontânea! A ideia gera uma separação entre aquilo que tu és e aquilo que procuras aparentar. A ideia é qualquer coisa de alheio àquilo que de forma mais autentica tu és. Um peixe não tem que atuar como um peixe para ser um peixe. Se há uma imagem em conformidade com a qual procuras atuar, então existe uma separação e negação daquilo que és!

O ego pode apropriar-se de qualquer exposição verbal ou simbólica, por mais rigorosa, perfeita ou bem concebida. A sua infinita capacidade de metamorfose pode tomar a forma até do suposto ensinamento que o pretende eliminar. Daí a necessidade de abandonar o barco que nos tenha conduzido à outra margem. Por mais sólido e útil que tenha sido durante a travessia, uma vez alcançada a outra margem, não faz sentido carregar o barco às costas. Quando caminhamos em terra firme, o barco torna-se um estorvo e uma carga inútil! Que utilidade pode ter um mapa uma vez que já vimos claramente o tesouro? Continuar a interpretar, aperfeiçoar, completar ou idolatrar o mapa só pode resultar num esforço inútil e num inútil dispêndio de energia.

Sempre que uma compreensão se cristaliza num conceito mental com o qual eu procuro conformar a minha vida, de acordo com o qual eu procuro agir e adaptar a minha ação, então o ego modificou-se para poder sobreviver. Se uma compreensão, experiência ou ensinamento espiritual, por mais elevado que seja, resulta numa aquisição (sabedoria, crença,doutrina, ensinamento, etc.), então o ego ressurge sob nova roupagem. A libertação só é real quando aquilo que se perde não é substituído por mais elevada, sublime ou lucrativa que pareça a substituição e por mais sagrado que seja o objeto substituto. A renuncia e o desapego tem que ser absoluto e incondicional. A melhor coisa não é melhor do que nada, diz a sabedoria Zen. Por mais forte que seja a atração pela certeza e segurança, este impulso ou desejo, é o principal e mais sutil sustento do ego. 

Sempre que uma crença é substituída por outra, não importa se falsa ou verdadeira, então o ego encontrou uma nova forma de apoio e sustento. O importante é o abandono de toda a crença, de todo o desejo de segurança. Trata-se de abraçar a insegurança e a incerteza, ou antes, de não lhes procurar fugir. De permanecer no silêncio e no vazio! Só então é possível contatar com uma dimensão que nada tem a ver com as formulações do intelecto nem com as maquinações ilusórias da mente. Só então a ação acontece desde uma percepção lúcida e directa da realidade. O impulso à segurança é muito forte e subtil. É a principal origem e sustento do ego e necessita vigilância constante. Porque o ego de tudo pode colher alimento, inclusive dos ensinamentos do mais santo, do mais sábio e bem intencionado guru ou profeta. Na presença do ego, qualquer céu se pode converter num inferno, na sua ausência tudo é invadido pela paz, pelo paraíso e bem aventurança.

Observa a forma que tem a tua resposta a este momento presente. Como lhe correspondes? Tomas como pressuposto que existe a forma correta, adequada, perfeita de responder ao desafio? Possuis armazenada ao nível conceptual uma formula ou receita que agora procuras aplicar? A tua ação é comandada, dirigida por uma ideia elaborada, uma verbalização, um conceito que armazenaste devido ao teu desejo de perfeição? A tua ação tem a proteção e mediação de uma ideia não importando o rigor ou a santidade da sua proveniência? Ou pelo contrário, te permites apresentar perante o desafio de uma forma completamente desarmada e vulnerável, quer dizer, de uma forma nua, direta, completamente despida e desprotegida? Se a tua busca e aprendizagem resultou numa fórmula e se cristalizou num conceito na base do qual procuras atuar, então permaneces cego e invulnerável à realidade. Porque a realidade deste momento presente é o desconhecido. E o desconhecido não pode ser captado por qualquer conceito. Só o podes contactar se a tua mente, os teus conceitos não se interpuserem. Se não o procuras enformar dentro das tuas crenças e conhecimentos. Apenas a consciência, quer dizer, o amor, pode receber a realidade. E o amor significa na verdade a tua ausência. Só quando tu não estás é que a verdade pode brilhar!

Pedro Fonseca

www.jardimdepicuro.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário